quarta-feira, 23 de março de 2016

Crise econômica e política no Brasil: momento de ensinar tolerância ao seu filho

Vivemos tempos difíceis. A crise política e financeira tomou proporções assustadoras, desmoronando as esperanças e os planos dos brasileiros. E em meio a tantas incertezas, a hostilidade parece prosperar, alimentada pelos ânimos exaltados e pelas divergências ideológicas que cavam um abismo entre dois lados rivais. Como se cada história tivesse apenas dois lados e todos fossem obrigados a assumir uma posição. Como se ser contra um partido, fosse ser automaticamente a favor de outro. Como se houvesse apenas o lado bom e o ruim. Como se pessoas que pensam diferente tenham de ser inimigas. E no meio dessa onda ascendente de intolerância e radicalismo, até as crianças se tornam vítimas, ou pior: protagonistas de episódios de agressão e preconceito.
Foi o que aconteceu com o filho de 9 anos da pedagoga Janaina Maudonnet. Ao buscar o menino na escola de inglês, ele entrou no carro muito nervoso e começou a chorar. Quando conseguiu se acalmar um pouco, contou que havia sido ameaçado por três colegas. O motivo? A camisa vermelha que usava. “Os meninos disseram ao meu filho: ‘você é petista, devia morrer’, só porque ele estava com uma camiseta da Suíça, que é vermelha e tem uma cruz branca. Eu fiquei muito mal. Hoje, por causa da cor da roupa, já se supõe que a pessoa é de direita ou de esquerda”, conta. O filho de Tina, amiga de Janaina, vivenciou uma situação parecida. No dia em que todas as crianças haviam combinado de ir de preto à escola, seu filho mais novo, 8 anos, preferiu usar a roupa de sempre: o uniforme. Foi o bastante para que duas crianças se dirigissem a ele de maneira ofensiva, gritando e falando palavrões. Por conta disso, Tina tomou uma decisão: “Não tenho deixado meus filhos usarem nenhuma camiseta vermelha, nem de time, nem de nada. Não quero que eles tenham a chance de serem agredidos”, conta.
POR QUE AS CRIANÇAS ESTÃO AGINDO ASSIM?
Para a psicóloga e psicoterapeuta Andreia Calçada, a explicação é que as crianças simplesmente reproduzem os comportamentos que presenciam em casa. “Aquelas que fazem esse tipo de coisa, provavelmente têm pais que são intolerantes não só na política, mas em muitas outras áreas”, explica. E esse comportamento tende a se manifestar em relação a pessoas com religiões, orientações sexuais, raças e até times de futebol diferentes.
Por isso, é preciso ficar atento à maneira como nos posicionamos nas mais diversas situações. É natural que as crianças adotem, a princípio, a mesma opinião dos pais, que queiram ser do “mesmo time”. É só por volta dos 9 ou 10 anos, quando elas adquirem uma capacidade melhor de compreender conceitos abstratos e começam a romper maniqueísmos, que se dão conta da complexidade das questões políticas. Mas é só com o início da adolescência, por volta dos 11 ou 12 anos, que elas começam a mergulhar na questão das hipóteses e que começam a construir suas próprias posições ideológicas, a partir não apenas dos pais, mas do grupo, do que leem, do que aprendem.
Assim, se você decidiu que vai levar o seu filho a uma manifestação, explique com clareza e serenidade o que está acontecendo: "Eu não acho ruim a criança ir à passeata, porque ela tem que aprender a se manifestar politicamente, mas os pais precisam deixar de lado um discurso  acalorado e irracional, que, muitas vezes, tomam as discussões políticas”, explica a psicóloga.
COMO CONVERSAR COM OS FILHOS?
Na casa da especialista em marketing digital Anamaria Mendes Jannuzzi, quando o filho Lucas, 8, disse que os colegas fizeram uma musiquinha zombando da presidente e chamando-a de feia,  a resposta dela foi categórica: “Disse ao meu filho que a gente não faz esse tipo de coisa jamais. Conversamos até sobre a possibilidade de tamanho desrespeito ocorrer com um presidente homem e que, se a gente quer ensinar respeito às mulheres, tem de começar pela presidente”.  O menino também fez uma série de questionamentos sobre o que estava acontecendo. Perguntou se quem está roubando ia ser preso, o que fazem os políticos e garantiu que um dia seria presidente, mas sem ser corrupto. “A gente está vivendo em um lugar muito complicado porque você tenta ensinar o que é certo e, quando as crianças olham ao redor, veem que tem um monte de coisa errada. Elas percebem isso”, comenta.
Para o psicoterapeuta Luciano Passianotto, mais do que explicar o que é certo e o que é errado,  e que quem age de forma incorreta deve ser punido, os pais devem abrir espaço para a manifestação de ideias e posições divergentes. “Vivemos um momento em que, quando alguém tem uma opinião contrária, a comunicação já é cortada. Não se deixa a pessoa falar. O exercício dos pais é demonstrar para as crianças que é possível , sim, ouvir o ponto de vista do outro, sem necessariamente concordar com ele. Ao escutar uma opinião contrária, de forma educada e respeitosa, a mensagem que está sendo passada às crianças é que não é preciso brigar só porque existem pessoas que pensam de outra maneira."
O PAPEL DA ESCOLA

Depois do nervosismo enfrentado na escola de inglês, o filho de Janaina encontrou acolhimento e compreensão em seu colégio. “Ele voltou muito empoderado depois de compartilhar o que aconteceu no curso de inglês com seus colegas da escola, durante uma aula de artes. Isso foi o que ajudou", contou a mãe.  A escola até distribuiu um material para os pais, reforçando que o processo pedagógico deve ser reformulado para que sustente os seus valores e que, apesar da instituição ter posições privadas, o que deve prevalecer dentro daquele ambiente é o coletivo. Janaina aprovou a iniciativa.
No Colégio Rio Branco, em São Paulo, não houve nenhum episódio de discussão sobre política ou de agressão entre as crianças, que estão trazendo à tona suas dúvidas sobre o momento atual de forma tranquila. “O colégio trabalha de uma forma natural com os alunos a questão da democracia. Neste processo, enfatizamos a cidadania, que é a importância do papel de cada um na sociedade”, explica a orientadora educacional do Ensino Fundamental, Ana Claudia Crivellaro.  Alunos mais novos trabalham isso por meio de brincadeiras, enquanto os mais velhos participam de assembleias, junto com os professores, onde são discutidas questões de cunho moral, que não necessariamente têm a ver com política. “Falamos do voto secreto, por exemplo, mas não de partido”, comenta a educadora. A escola também aproveitou o momento para trabalhar questões relacionadas ao consumo, uma vez que o orçamento das famílias está mais apertado. "Organizamos um brechó, em que os alunos doaram agasalhos, uniformes e livros dos anos anteriores. Na hora de levar para casa alguma coisa, era preciso deixar um quilo de arroz. Não é só educação financeira; é solidariedade, é ensinar a criança a ser cidadão", explica.
Para a psicóloga Andreia, independente da posição política da família, é válido que tanto a escola como os pais ressaltem o lado positivo de toda essa crise junto às crianças. “Enfatize que é importante participar da política, se envolver e que todo esse movimento, mesmo com opiniões divergentes, busca por mudanças e melhorias para o país”, completa Andreia. Afinal, ninguém duvida que, independente do caminho que cada pessoa creia ser o melhor, todos queremos deixar um mundo mais justo para os nossos filhos.

5 COISAS PARA PENSAR E FICAR ATENTO NESSE MOMENTO
Cuidado com as palavras: uma coisa é criticar um governante ou político qualquer, deixando claro o seu descontentamento quanto à sua atuação. Outra é xingar e ridicularizar.  Principalmente na frente das crianças. Por isso, em vez de dizer que esse ou aquele é um "ladrão, sem vergonha", melhor falar que essa pessoa não se comportou de forma honesta, que não é confiável, que não agiu da maneira como o povo esperava.
Deixe claro o seu posicionamento sem desmerecer outros: você pode explicar para o seu filho (levando em conta o item anterior) que você prefere um político ou um partido a outro em detrimento do que você acredita. Mas sempre enfatize: "Essa é minha opinião. Tem pessoas que pensam diferente". Uma coisa é justificar a sua escolha, outra, é mostrá-la a seu filho como se isso fosse uma verdade absoluta.
Acima de tudo, o respeito: uma coisa é você ter uma posição política e defendê-la. Outra é briga por poder, agressão, ofensas de cunho pessoal. Discutir sobre política sem elevar a voz, tratando seu interlocutor com educação, ouvindo-o sem interromper, é pré-requisito para um diálogo civilizado. Uma vez que, sem diálogo, não há democracia, é importante que seu filho aprenda a conversar e respeite a opinião alheia desde cedo.
- Sempre explique o que está acontecendo: de forma clara e simples, de acordo com a idade da criança. Se o seu filho perguntar o que significa o barulho de panelas ou tanta gente protestando nas ruas, diga que as pessoas estão manifestando sua opinião, seu descontentamento, que elas discordam de uma série de acontecimentos atuais. Afinal, poder se manifestar, de forma respeitosa, é um direito de todos.
Crie um cidadão: é preciso ensinar ao seu filho que a responsabilidade por um mundo melhor também é dele. E isso vai muito além da política. Um cidadão se cria no dia a dia: obedecendo às regras de trânsito e respeitando seu lugar na fila, por exemplo.
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