Nessa semana jovens realizaram um evento "se nada der certo" na própria instituição educativa, se fantasiando com trajes que representam , segundo eles, profissões que seriam a última alternativa na vida de um ser humano. As fotos vieram à tona, tanto os jovens como a escola receberam duras críticas nas redes sociais. A instituição de ensino chegou a remover do ar as imagens e divulgou um pedido oficial de desculpas. Porém como bem escreveu Ana Paula Lisboa:
"Fala-se tanto de escola sem partido, sem doutrina, em educação que vem de casa. Mas fala-se pouco em ética, em olhar e escuta do outro que está fora da sua bolha, visibilizando diferentes trajetórias. Por isso, o caso ter ocorrido dentro de uma instituição de ensino deixa tudo mais grave e mais triste..." (Recomendamos a leitura: https://oglobo.globo.com/cultura/se-tudo-der-certo-ou-nao-pise-no-meu-pe-21444303#ixzz4jR2KGpUf).
Afinal que educação estamos almejando para nossos filhos? Que se nada der certo, serão trabalhadores? Pessoas que exercem um trabalho honesto extremamente importante para toda sociedade, não seria digno?A melhor resposta veio do Márcio Ruzon, filho de porteiro, que escreveu um excelente texto em seu Facebook. Uma grande aula para toda a sociedade e para as famílias que se preocupam tanto para que o "filho dê certo". Está na hora de revermos nossos valores e repensarmos sobre o que temos ensinado para nossas crianças e jovens sobre profissão digna.
Leia a íntegra abaixo:
Ao Colégio Marista:
Meu pai aposentou-se como porteiro. O mesmo que
vocês têm aí na entrada do Colégio, que os pais “que deram certo”
passam e nem cumprimentam.
Então, falando do meu pai, ele trabalhava feito
um condenado (aliás, mesmo depois que se aposentou teve que voltar à
portaria pra completar a renda). O que meu pai recebia de salário era
uma mensalidade que as famílias “que deram certo” pagam pra vocês
ensinarem essa ética (ou falta dela) aos estudantes.
Ele tinha uma Barra forte preta e com ela ia de
sol a sol, chuva a chuva, noite a noite, cuidar de fábricas ou de
condomínios ao estilo que os alunos moram ou que os pais “que deram
certo” trabalham como Diretores, Gerentes.
Aprendi a profissão com meu pai. Fui porteiro
por anos. Vi o que é você comer em pé ou no banheiro porque não tem
ninguém pra substituí-lo nos intervalos. Cansei de atender pessoas na
guarita enquanto mastigava um ovo frio.
Já usei papelão como mesa em cima da privada para almoçar.
Colégio Marista, meu pai não deu certo. Criou
três filhos junto com a minha mãe que ficava apreensiva em casa: -” Será
que ele volta?” Porque meu pai pegava estradas perigosas de madrugada,
aliando-se ao fato de muitas vezes cuidar de galpões abandonados,que era
alvo de bandidos.
Mas ele não deu certo.
Conseguiu sustentar 3 filhos (e minha mãe
administrando como uma Economista) com pouco mais de um salário, hoje
todos bem e com família, mas infelizmente ele não deu certo.
Meu pai não é desses pais bacanas que param aí
na frente do Colégio, com Cherokees, Tucson, sorrindo pra quem convém e
pisando nos descartáveis.
Meu pai tem um Palio que vive quebrando, e
mesmo debilitado pela idade, levava todos os netos às escolas públicas.
Levava e buscava.
Mas, que pena! Meu pai não deu certo.
Quem deram certo foram essas famílias que
dependem da faxineira, do porteiro, do zelador, da cantineira, do gari,
da empregada doméstica. Eles deram certo!
Ainda bem que muita gente “dá errado” na vida,
senão quem iria preparar o lanche dos filhos que vão para o Colégio
Marista? O pai? A mãe? Não sabem nem como ligar um fogão! Mas deram
certo, não é?
Fique um dia sem um gari na sua rua e no dia
seguinte você já está ligando na prefeitura fazendo birra! Ué? Pega uma
vassoura e varre! Você não “deu certo”?
Fique sem porteiro no condomínio e mundo para.
Não sabem descer pra atender o motoboy? Tem medo de quem seja? Pode ser
um ladrão, não é? Deixa que o porteiro arrisca (sem seguro de vida) a
vida por você (com seguro de vida).
Gente que não deu certo existe pra isso: mimar os que deram certo.
Tenho orgulho de ter um pai que não deu certo,
Colégio Marista. E eu tenho orgulho de não ter dado certo também. Já
pensou, criar minha filha num ambiente que debocha de profissões, que em
vez de promover a isonomia e empatia, fomenta a segregação e a eugenia?
Deus me livre!
Aliás, por falar em deus, vocês são de formação católica certo?
Se nada der certo, vocês vão virar carpinteiro
também? Embora eu sendo agnóstico, respeito muito um carpinteiro que
“não deu certo” e que vocês finjem amar. Que feio, Colégio! Ensinando
crianças a desprezarem seu Mestre?
Enfim, falei demais. Obrigado pela lição de hoje. Talvez tenha sido o único ensinamento que vocês deixaram:
Se nada der certo, vou para o Colégio Marista.
Lá pelo menos eu posso esconder meu ser vazio atrás de um patrimônio que
consegui pisando nos outros.
Viu, a lição de vocês acabou “dando certo”!
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