quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Quem ensina o racismo às crianças? Nós mesmos, ué

No mês das mães deste ano, eu participei de um evento sobre maternidade e havia, no palco, várias mulheres brancas, formadoras de opinião (sabe-se Deus o que isso significa), falando sobre os desafios da maternidade moderna ou coisa que o valha. Eu, na plateia, estava sentada a duas ou três cadeiras de uma mãe que era negra. Lá pelas tantas, quando abriram o debate para perguntas, essa mulher contou que sua filha de pouco mais de 4 anos tinha acabado de ser matriculada na escola e estava sofrendo o pão que o diabo amassou. Nos primeiros anos em casa, ao lado da família, sempre ouviu o quanto era especial, o quanto seus cabelos crespos eram lindos mas, na escola, ouvia o oposto de crianças da mesma idade. Os coleguinhas de classe diziam que ela era feia. Que seu cabelo era horrívelO que adianta proteger e fortalecer a autoestima da minha filha se o mundo lá fora é assim, tão cruel com as meninas negras?, perguntou às ‘formadoras de opinião’, surpresas por terem sido retiradas a fórceps daquele mundo lavanda da maternidade perfeitinha, onde estavam prontas para falar sobre tudo que não incluísse esse assunto tão urgente.
A primeira pegou o microfone e disse àquela mãe coisas no estilo o-que-não-mata-fortalecesua-filha-vai-ser-uma-guerreira-como-você  enquanto as duas outras, em seu socorro, soltavam algumas frases soltas no mesmo estilo ‘não-importa-o-que-os-outros-pensam-o-que-importa-o-que-você-carrega-no-coração’, para a incredulidade da mãe e vergonha alheia de muitas, que não sabiam onde enfiar a cara e ficavam procurando o botão eject na cadeira onde estavam sentadas.
Minutos depois, pedi a palavra e, tentando me desculpar, joguei uma pergunta à audiência: Não seríamos nós os responsáveis pelo inferno que vivia essa criança? Nós, os pais e mães das crianças brancas com as quais ela convive? Não teria sido com a gente que elas teriam aprendido a dizer tamanhas aberrações às crianças negras? Ou será que meninos e meninas já saem da maternidade classificando “cabelo bom”, “cabelo ruim”, “nariz bom”, “nariz ruim”? Não precisamos prestar atenção, dobrar o cuidado, perceber que fomos nós que ensinamos às crianças a tratar mal aquela menina na escola?, perguntei.
Silêncio.
Todos logo fizeram aquela cara de ‘não, eu não faço isso’, e a prosa mudou de rumo, né, vamos falar outra coisa.
Corta para semana passada.
Thaís Araújo, a atriz, disse mais ou menos o mesmo que aquela mãe no evento de dia das mães, só que com outras palavras e em um TEDx São Paulo. Ela comentou que a cor do filho “é aquela que faz com que as pessoas atravessem a rua”. Também não foi compreendida, mas foi logo classificada de “mimizenta” e vitimista pelas redes sociais, sempre elas. Os adultos brancos, aqueles que dizem sempre “não, nada a ver esse papo de racismo”  logo se uniram para desqualificar a fala da Thaís, fazendo memes para ridicularizar sua afirmação.  Alguma reflexão sobre o assunto ou mea-culpa? Não, nenhuma, não somos racistas, ora, ora, somos uma nação miscigenada, blá, blá, blá, whiskas sachê.
Corta para alguns dias atrás.
Um mulher que se diz socialite (o que é socialite, afinal?) grava um vídeo praticando o crime de racismo. Repete aquelas coisas todas que a menina do início do post ouve todos os dias na escola, mas para outra menina negra: Titi, filha dos atores Bruno Gagliasso e Giovana Ewbank. No vídeo, a tal mulher chama a criança de “macaca”. Disse que a guria é “horrorosa”, porque tem “cabelo de pico de palha”. Termina dizendo que é “sua opinião”  e que não tem medo da polícia e nem da Justiça. Não tem que ter medo mesmo, estamos no País da impunidade.
Mas agora me diz uma coisa: onde você acha que as crianças aprendem a ser racistas?
Com a gente, claro, óbvio, com as mesmas pessoas que as ensinam a comer e a andar. Com as mesmas pessoas que, ao se deparar com um negro bem-vestido no elevador, “estranham” e verbalizam esse “estranhamento” (???) na frente dos filhos. Com as mesmas pessoas que atravessam a rua ao ver um negro bem-vestido ou mal-vestido, vai quê, né, tem cara de ladrão! Com os telejornais que sempre tratam o negro como “traficante” e o traficante branco como “adolescente classe média da zona sul”. E com as novelas, que sempre colocam os negros como serviçais.
Sabe de quem é a culpa? Nossa. De mais ninguém. Duvida? Assista a esse experimento sobre racismo feito com crianças mexicanas e comece a pensar sobre as respostas. Dois bonecos, um branco e outro negro, são colocados em frente a crianças de diferente raças. Uma entrevistadora questiona as crianças, uma a uma: “Qual boneco é bonito? E qual é feio?” Elas elegeram os bonecos negros como “feios”, “perigosos” e “não confiáveis”. Quando eram perguntada o por quê de tal escolha, não conseguiam dizer. Alguém passou esse conceito para as crianças. Adivinham quem? Sim. Nós.

Fonte do texto: Estadão

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