segunda-feira, 18 de junho de 2018

Como um “diário de campo” me salvou

* Marianna Cruz



É isso mesmo que você está lendo no título: como um “diário de campo” me salvou. Ou, dito de outra forma, como um diário de campo me impediu de sair correndo pelo portão daquele CMEI e voltasse ao conforto de meus livros, textos, e, sobretudo, do site mais visitado de todos os tempos pelos estudantes: o sinônimos. Naqueles muros, saber palavras bonitas - e, as vezes, até pretensiosas -, não valia de nada. Admito: pensei minuciosamente qual roupa usaria aquele dia, “não, não, essa calça é escura demais, não combina” “já esta aqui é muito clara, vou me sujar no primeiro dia” “ah essa....não serve para mim já tem pelo menos uns dois anos”, “o que vão pensar de mim se eu for com essa aqui?”. Depois de muitos embates e diálogos travados comigo mesma: escolhi. Minto: escolhi uns segundos antes de sair de casa, após o desespero de olhar no aplicativo que meu ônibus já ia passar. Pensei minuciosamente qual roupa usaria aquele dia, mas acabei, no impulso, vestindo outra. Tudo bem. Eu saí com pressa para não perder o ônibus. Ultimamente ando fazendo tudo com presa. Exceto escolher com qual roupa eu vou. Isso me dá mínima possibilidade de controle. Assim foi com meu “diário de campo”. Bom, vou chamá-lo de caderninho, porque neste processo, nos tornamos íntimos. Eu e meu caderninho. Quase que houve uma fusão entre nós. Cheguei no CMEI: eu, minha roupa minuciosamente pensada e meu caderninho. O que faria com isso? Já sei: vou sair correndo! Mas, já fecharam o portão. Essa opção já não é tão viável. Teria que pedir para que abrissem o portão, e aí sim poderia sair correndo. Tudo bem. Respirei e, eu, minha roupa minuciosamente pensada, e meu caderninho fomos para o tal do agrupamento. Vou chamá-lo de o tal do agrupamento, pois não poderia conferi-lo qualquer tipo de intimidade, esta estava direcionada unicamente para: minha roupa minuciosamente pensada e meu caderninho. Se tirasse isso, sobraria uma reportagem: estagiária de psicologia da universidade federal de goiás pula o muro do CMEI após seu primeiro dia na instituição. Bom, se isso acontecesse, pelo menos, minha roupa estava minuciosamente pensada. Não era escura demais, nem clara demais. E cabia perfeitamente em mim. No tal do agrupamento, sentei naquela cadeira com um tamanho esquisito. Era pequena. Tamanho de criança, ao certo. Mas, achei esquisita. Tudo bem: sentei com meu caderninho. Depois de um tempo, uma criatura, tão pequena quanto aquela cadeira, sentou-se do meu lado. Ficou olhando para mim. Nem tentava disfarçar. Que bicho estranho esse chamado “criança”. Sentam-se em cadeiras minúsculas. E não disfarça ao olhar. Nunca vi isso. Ou, se vi, esqueci. Ainda bem que eu estava protegida daquilo, com minha roupa minuciosamente pensada e meu caderninho. Logo após, aquele amontoado de bichinhos chamado “criança”, saíram para brincar. Fui observar. Como um cientista positivista e seu diário de campo. Só que, no meu caso, com o caderninho. Neutra, assim como a cor de minha calça, minuciosamente pensada. Perguntava. Escrevia. Era isto. Descobri o que deveria fazer: perguntar e anotar quase tão velozmente quanto eu corria para não perder o ônibus todo dia de manhã; quase tão velozmente quanto eu queria sair correndo daquele lugar; era isto. Deveria ser só isso. Até um daqueles bichinhos se aproximar da minha arma mais fundamental: meu caderninho. Ela puxava meu caderninho. E rabiscava-o. Eu não sei se ficava mais abismada com aquela criatura destruindo minhas defesas ou, de descobrir que, mesmo sem meu caderninho, eu continuava em pé. Isso. Em pé. Aquela criança, e, curiosamente - ou não -, a mesma criança que me olhava no momento anterior, me ensinou que eu poderia estar ali sem o meu caderninho. Foi uma separação difícil, não nego. O “diário de campo”, e posso chamá-lo assim agora, me salvou de não sair correndo, mas aquele bichinho chamado “criança”, tão pequena quanto a cadeira que anteriormente me sentava, me possibilitou olhar com meus olhos aquilo que ultrapassa meus livros, textos, palavras, pretensiosas ou não. O olhar de verdade.

* Marianna Cruz é  é graduanda de Psicologia (UFG) e relata um pouco de sua experiência do Estágio em Licenciatura de Psicologia, sendo realizado em um Centro Municipal de Educação Infantil de Goiânia
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