quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Transtorno do Déficit de Natureza


O distanciamento atual entre as crianças e a natureza emerge como uma importante crise do nosso tempo. Especialmente no contexto urbano, independente do tamanho da cidade, o mundo natural tem deixado de ser visto como elemento essencial da infância. As consequências são significativas: obesidade, hiperatividade, déficit de atenção, desequilíbrio emocional, baixa motricidade - falta de equilíbrio, agilidade e habilidade física - e miopia são alguns dos problemas de saúde mais evidentes causados por esse contexto. Além destas, diversas consequências menos reconhecidas também fazem parte desse cenário.

O jornalista Richard Louv, autor do livro A Última Criança na Natureza, cunhou o termo “transtorno do déficit de natureza” para descrever esse fenômeno que incide nas nossas infâncias. Não se trata de um termo médico, mas de uma forma eficaz de chamar a atenção para uma questão emergente. Simultaneamente, nos últimos anos vimos surgir muitas pesquisas que sugerem o que alguns educadores, pais e especialistas atestam há décadas: o convívio com a natureza na infância, especialmente por meio do brincar livre, ajuda a fomentar a criatividade, a iniciativa, a autoconfiança, a capacidade de escolha, de tomar decisões e de resolver problemas, o que por sua vez contribui para o desenvolvimento integral da criança. Isso sem falar nos benefícios mais ligados aos campos da ética e da sensibilidade, como encantamento, empatia, humildade e senso de pertencimento. 

Os sintomas e efeitos dessa desconexão compõem um problema sistêmico que está levando a profundos impactos em todas as gerações, especialmente crianças e idosos, afetando a qualidade de vida em todos os territórios. Os fatores responsáveis por esse cenário, como saúde, planejamento urbano, mobilidade, uso de eletrônicos, desenvolvimento econômico e social, violência, conservação da natureza e educação, são complexos e estão inter-relacionados. Esse cenário, no entanto, varia de intensidade dependendo da classe social e da realidade específica de cada um, e seus impactos são mais agudos e presentes nas cidades e bairros densamente habitados e de alta vulnerabilidade social, onde as condições para uma infância saudável e plena estão muito ameaçadas.

É necessário refletir sobre o modo de vida e de desenvolvimento que estamos adotando nas cidades, tendo em vista que a urbanização é um processo crescente no país e no mundo. No Brasil, a concentração da população em cidades cresceu de 75,6% em 1991, para 84,7%, em 2015.

Portanto, faz sentido pensar sobre a forma como o mundo atual, sobretudo urbano, está acolhendo as novas gerações. Há diversas conquistas e avanços relacionados à infância em nosso país, como o aumento da escolaridade, a redução da mortalidade e o combate à exploração do trabalho infantil. Mas não podemos deixar de considerar que os efeitos da urbanização, entre eles o distanciamento da natureza, a redução das áreas naturais e a falta de segurança e qualidade dos espaços públicos ao ar livre nos levam - adultos e crianças - a passar a maior parte do tempo em ambientes fechados e isolados, criando um cenário que cobra um preço muito alto para o desenvolvimento saudável das crianças.

Atentos a isso, um número significativo de especialistas, educadores e pais no mundo todo, assim como no Brasil, vêm se dedicando a entender o que está adoecendo e tornando as crianças nervosas, agitadas, infelizes e com dificuldades de aprendizagem e convivência na escola. Um conjunto consistente de evidências científicas, em sua maior parte geradas fora do Brasil, sugere que um dos fatores seja o distanciamento entre as crianças e a natureza. Isso porque ambientes ricos em natureza, incluindo as escolas com pátios e áreas verdes, as praças e parques e os espaços livres e abertos para o brincar, ajudam na promoção da saúde física e mental e no desenvolvimento de habilidades cognitivas, sociais, motoras e emocionais.

Os sinais dados pelas crianças em sua relação com ambientes naturais demonstram a capacidade que esses espaços têm de acolher tanto sua pulsão expansiva, de movimento ou interação, quanto sua necessidade de introspecção e solidão, e apontam para a necessidade de mudanças em diversos campos como saúde, família, educação e urbanismo. Acreditamos que uma das peças desse complexo panorama que precisa mudar são os espaços educativos escolares e urbanos e a forma como a criança e todos nós os habitamos. Assim, nos reunimos a um movimento mundial que procura dar luz à importância da naturalização dos espaços escolares e à ressignificação do seu uso.

Fonte: Desemparedamento da Infância: a escola como lugar de encontro com a natureza

Para saber mais acesse criancaenatureza.org.br
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