Por Soraya Santos e Jordana Balduíno
A emoção na sala de aula: o que cabe ao professor?
Emoções não podem ser ignoradas e são importantes para a evolução da inteligência, mas sala de aula não é consultório
Falar de emoção na sala de aula é sempre intrigante, pois existem diferentes perspectivas para abordar o tema. Alguns professores acham que esse assunto não é para ser tratado na escola: lá seria um lugar de conhecimento, em que a afetividade estaria em segundo plano e somente o aspecto cognitivo seria relevante. Por outro lado, existem profissionais que dão tanta ênfase ao aspecto afetivo, como se todos os problemas emocionais pudessem ser tratados na sala de aula. Este é um tema controverso, mas, seguramente, pode-se afirmar que nenhum desses extremos é capaz de apreender a questão em sua totalidade. Aliás, como em quase tudo na área da Educação, respostas dicotômicas são apenas parciais. Não se trata de discutir se a emoção deve ou não estar na escola, porque ela já está, mas também não se pode concluir que a escola consiga solucionar todos os problemas no âmbito afetivo, porque ela não pode.
Segundo a psicologia de Henri Wallon, o
homem é um ser completo, isto é, expressa domínios da cognição, da
afetividade e do movimento, sendo que esses domínios se influenciam, e
em cada momento do desenvolvimento da criança, há a predominância de um
desses aspectos.
Por isso, não é possível que dentro
da escola as emoções sejam ignoradas. Ao entrar na sala de aula, o
professor não pode pedir: “Caro aluno, vou fechar a porta, por favor,
deixe do lado de fora suas emoções, sentimentos, paixões...”. Nem mesmo o
professor pode despir-se de suas manifestações afetivas quando está
lecionando. No entanto, é evidente que o educador tem (ou deveria ter)
condições de racionalizar muito mais suas próprias emoções do que o
aluno. E, mais do que isso, de compreender as manifestações afetivas
deles, ajudando-os no seu desenvolvimento.
Para
Henri Wallon, esse entendimento de que as emoções nos constituem, que
não podem ser ignoradas e de que, na verdade, são importantes para a
própria evolução da inteligência, revela a necessidade de que o
professor seja bem preparado para o ato de ensinar.
Assim,
se as emoções estão na sala de aula, ao mesmo tempo em que não são o
foco central do ato educativo, o que cabe ao professor? Essencialmente,
conhecer e respeitar o aluno. Conhecer significa, antes de tudo,
entender o desenvolvimento da criança, compreender que cada etapa tem
uma função e que a própria criança deve ser sua referência, evitando-se
assim as comparações e favorecendo o atendimento às necessidades de cada
aluno.
De acordo com Laurinda Ramalho de Almeida,
“é responsabilidade do adulto, e principalmente do educador, adequar o
meio escolar às possibilidades e necessidades infantis do momento”. Ao
conhecer o aluno o professor torna sua ação psicológica, uma vez que,
para Henri Wallon, “a orientação do ensino torna-se psicológica a partir
do momento em que ele pretende adaptar-se ao espírito e à natureza da
criança”.
Mas, além de conhecer a criança, a
perspectiva de Wallon nos leva também ao entendimento de que é preciso
que o professor aprenda a respeitar o aluno. Laurinda Ramalho de Almeira
explora esta questão e sintetiza essa ideia afirmando que o fundamento
do trabalho do professor é o respeito pelo aluno. Segundo a autora,
respeitar o aluno significa:
- aceitá-lo no ponto em que está, conhecê-lo em sua etapa de formação e conhecer os meios em que ele possa desenvolver suas ações;
- não impor limites a seu desenvolvimento;
- oferecer outros meios e grupos para que ele possa desenvolver suas ações;
- aceitar que a Educação é uma relação evolutiva, que vai se transformando e tende para a autonomia, para o ponto em que o aluno não precisa mais do professor.
Isso só será possível se o
professor assumir sua função de observador atento da criança. Assim, a
autora afirma que “o professor precisa ser um arguto, lúcido, constante
observador de seu aluno. Observador da criança como uma pessoa completa,
integrada, contextualizada; observador da criança em cada um de seus
domínios funcionais”. Mas, ao observar e demonstrar interesse pelo
aluno, o professor pode vir a se deparar com questões afetivas que
extrapolam suas possibilidades de intervenção. Nesse momento, é preciso
reconhecer os limites de sua atuação e contar com um serviço
multidisciplinar que possa apoiar a criança nas suas necessidades. A
parceria com a família é fundamental e podem ser necessários
encaminhamentos específicos, para os quais a escola precisa estar
preparada.
Nas situações, entretanto, do dia a dia
da sala de aula, em que caberá ao professor lidar com as mais diversas
manifestações afetivas do conjunto dos alunos e não apenas de uma
criança, vale ressaltar a importância de conhecer alguns aspectos das
emoções como, por exemplo, o fato de que são contagiosas. Wallon
refere-se a isso em muitos de seus trabalhos e Laurinda Ramalho de
Almeida reitera que, dentro do ambiente escolar, muitas vezes esse
contágio leva a um “circuito vicioso”, no qual uma determinada emoção se
expressa em uma criança, logo também em outra criança e, muitas vezes
também, por fim, no próprio professor. Por exemplo: uma criança pequena
chorando logo contamina os colegas com seu choro, assim como uma criança
maior pode contaminar os amigos e o professor com sua raiva ou com sua
apatia. Cabe ao professor não apenas não se deixar contaminar, como
também romper este “circuito” impedindo que o contágio se alastre. Isso
só é possível à medida que o professor opera com a razão sobre a emoção e
ajuda seus alunos a também operarem racionalmente. Atividades que
permitam a manifestação das emoções são aliadas importantes, dentre elas
pode-se ressaltar a expressão em desenhos, textos, música, poesia,
teatro e discussões que permitam “o movimento para liberar a tensão,
intercalar momentos de maior e de menor concentração”.
Cabe
ao professor, portanto, conhecer seu aluno, respeitá-lo integralmente e
ajudá-lo na empreitada de, pouco a pouco, ser capaz de superar
obstáculos e as situações de imperícia agindo racionalmente. Dessa
maneira, na atuação do professor “assumem relevância a sensibilidade, a
curiosidade, a atenção, o questionamento e a habilidade de observação”,
descreve a autora Abigail Alvarenga Mahoney.
Muito mais do que repassar conhecimentos, é necessário compreender-se
como humano e, assim, enxergar os alunos para além das funções
cognitivas.
Esta é a difícil tarefa!
*Soraya
Vieira Santos é pedagoga, mestre e doutora em Educação. Jordana de
Castro Balduino Paranahyba é psicóloga, mestre e doutora em Educação.
Ambas são professoras de Psicologia da Educação na Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Goiás (FE/UFg) e coordenam a pesquisa “A emoção na escola: um estudo sobre como a temática da afetividade tem comparecido nas escolas de Educação Básica”.
0 comentários:
Postar um comentário