segunda-feira, 25 de março de 2019

Os videogames são culpados pela violência?

Por Alexandre Doia



Os videogames são culpados pela violência?

A tragédia de Suzano traz à tona uma polêmica discussão que envolve os jogos eletrônicos e a violência. Diante desse ato que nos choca, investigações realizadas revelaram a estreita relação dos jovens com jogos que apresentam conteúdos violentos. Alguns afirmam a proximidade de seus trajes e objetos carregados com aquilo que é visto nas telas. É importante analisar essas questões de uma forma ampla, e não reduzir as discussões em apenas um objeto. Seriam os jogos eletrônicos um ponto fundamental que culminou nessas ações?
Temos que considerar que os conteúdos presentes nos videogames, assim como em outras diversas mídias do entretenimento que consumimos diariamente, são informações que são transmitidas e necessitam passar por um processo de elaboração do conhecimento. A pessoa que tem contato com esses temas necessitará organizar e refletir sobre aquilo que é visto. É inegável que esses meios reproduzem nossa realidade e as condições nela presentes, mesmo que sejam de forma fantasiosa.  Essas imagens carregam informações e ressoam em nosso psiquismo, isto é, tem repercussão em seu público e apresentam consequências. Isso gera uma tensão quando pensamos que as pessoas podem tomar para si aquilo que veem constantemente.
Isso nos leva a pensar na violência de nossa sociedade que se apresenta de forma sistêmica, rotineira, banalizada e muitas vezes revestida de entretenimento. Essa violência, quando transmitida ou mesmo utilizada para fins de lazer (filmes, jogos, seriados, programas, entre outros) captam nossa atenção e atraem um vasto público. Quando são sentidas na pele, viram um ponto chave de debates que envolvem as condições de nossas vidas. O medo que se instaura frente a um cotidiano que constantemente coloca em risco nossa segurança abre um campo para diversas atitudes e pensamentos a respeito da resolução desses problemas, que muitas vezes podem ser extremadas ou desesperadoras.
Em um mundo cada vez mais tecnológico, em que os jovens já nascem inseridos nessas condições, o real e o virtual se encontram. Essa virtualidade não é uma ausência, mas se revela como uma forma de escape para a problemática que é vivida na pele. Em um mundo onde as condições de vida não trazem prazer, onde a insegurança e a imprevisibilidade fazem parte de nossas vidas, o virtual abre porta para que nossos desejos possam ser realizados e controlados. Os jogos eletrônicos tornam-se uma das formas para a vazão de muitos sentimentos que temos nessas condições que vivemos. Esse virtual abre possibilidade para realizarmos aquilo que muitas vezes é proibido ou bárbaro frente às regras de nossa sociedade. Os jogos muitas vezes não se prendem em certos aspectos éticos e morais. Tornam-se atrativos e acabam por absorver seus jogadores que vivem constantemente essa outra ambientação. Isso pode levar a uma dificuldade de fomentar um sentimento próprio, um laço com a realidade e a formação de vínculos afetivos com as pessoas à sua volta.
Precisamos levar em consideração a questão mercadológica e pensar a razão desses tipos de jogos ocuparem as posições dos mais vendidos. A sua demanda revela algo daqueles que jogam e que encontram prazer nessa fantasia virtualizada. A reflexão é algo que não se faz presente no conteúdo dos jogos, mas tornam-se elementos que contribuem para o afastamento de situações desagradáveis presentes na realidade devido ao seu caráter lúdico e recreativo. Esse contato com o real permitiria uma crítica sobre a realidade, porém, essa fuga é incitada por diversos meios de comunicação e pela própria estrutura do jogo, que incentiva a prática e recompensa o jogador. Nessa perspectiva, o contexto da sociedade permanece inalterado, assim como suas condições.
O grande sucesso diante o seu público evidencia a força de atuação que esse meio do entretenimento possui e a potencialidade que carrega. Não se pode negar como os jogos eletrônicos fascinam as pessoas e podem desenvolver inúmeras habilidades em seus utilizadores. Contudo, assim como em outras mídias que a todo momento estamos em contato, devemos questionar a banalização de seus conteúdos e não tratá-los em uma suposta neutralidade.
Mas, diante dessa imersão vivida coletivamente (nos jogos, em redes sociais, aplicativos e afins) e dependendo do grau em que isso acontece, o afastamento dessa virtualização é necessária quando se volta a ter um contato com as condições que estão inseridos. A realidade não pode perder o seu sentido. A frieza não pode ser algo que faça parte da constituição das pessoas. Aqueles com quem nos relacionamos não podem virar “algo”, uma “coisa” que não faça diferença em nossa existência. A nossa vida só faz sentido com a presença dos outros e por meio das respectivas relações que estabelecemos com eles.  O questionamento frente a todo esse cenário de violência se faz imprescindível, e quando pensamos em crianças e adolescentes, o papel de uma outra pessoa que as faça refletir sobre aquilo que constantemente estão consumindo é de fundamental importância.
E, ao final, se voltarmos para as discussões iniciais, veremos que a todo momento o problema se volta para um âmbito muito maior no qual os jogos podem ser apenas uma das formas, dentre várias, para que esses processos sejam acentuados. Não é uma culpabilização dos mesmos, mas sim refletir a forma como estão sendo empregados em nossa sociedade, pois os jogos podem ser muito benéficos quando utilizados de uma maneira que não fomentem apenas a violência.

* Alexandre Crispim Pires Doia (Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Goiás - PPGP/UFG (2017). Graduado em Psicologia, bacharel (especifico da profissão) e licenciatura, pela Universidade Federal de Goiás (2013). Professor substituto de Psicologia da Universidade Federal de Goiás (UFG)
Local: Universidade Federal de Goiás - R. 235, 307 - Setor Leste Universitário, Goiânia - GO, 74605-050, Brasil
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