segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Entre olhares: é pelo olhar do outro que nós fazemos e refazemos


Entre olhares: é pelo olhar do outro que nós fazemos e refazemos 

Primeiro dia de CMEI, sabia mais ou menos o que esperar, mas a cada minuto ali é sempre uma nova surpresa. Crianças são movimento. Na hora de ir no banheiro, a auxiliar convoca as crianças para uma fila e segue o percurso até o destino final. Observo que fulaninho fica por último na sala e faz questão de fechar a porta, julgo adequado e faço um elogio, seguimos para encontrar o restante da turma. No meio tempo até o banheiro perguntei seu nome e quem até então era carinhosamente chamado de fulaninho, agora mostra-se um sujeito singular: "Me chamo Alberto". 

Quando chegamos ao local, Alberto entra na fila e começa a brincar com os colegas, vez agressivo, vez piadista. A auxiliar me diz "Então você já conheceu o Alberto? Pode ficar tranquila, até o final do dia você lembrará o nome dele". Sorrio sem graça, por que algo naquela ironia me pareceu fora do lugar, me incomoda, mas ainda não sabia dizer de onde vinha o desconforto. Observei. Até o momento foram três dias de observação e percebi que a auxiliar estava correta ao dizer que me lembraria de Alberto, afinal, Alberto é um nome que ecoa boa parte do tempo na sala de aula. “Alberto senta! Alberto não corre! Não Alberto! Não Alberto! Nãããão Alberto! ”. Os olhares, preciosos olhares, olhares esses que vem de figuras de autoridade, ao que me parece, só se voltam para Alberto quando ele se comporta mal. O não pelo não, sem nenhuma explicação do que isso ou aquilo é errado, do “por que não posso deitar no chão, tia?”, “por que não posso brincar de lutinha com meu colega?” ou mesmo “por que não posso escalar a parede para pegar o pano se eu vejo que o homem aranha faz isso?”.

Alberto pelos meus olhos é um menino carinhoso, esperto e muito brincalhão, gosta de arrancar sorrisos e tem uma necessidade de ser visto e reconhecido, como qualquer um que chegar a ler este texto. Hoje entendo de onde vem o incomodo, os olhares se voltam para Alberto somente quando ele está sendo sapeca. E não, Alberto não é sapeca o tempo todo. Alberto é criativo, quer sentar perto da tia e brincar de futebol, adoleta e outras coisas mais. Alberto só atrai o olhar do outro quando está "aprontando".

E se o olharmos quando ele obedecer? E se elogiarmos quando ele se comportar bem? Alberto não é nem de longe só defeitos, como faz parecer o contato dos adultos com ele. Parafraseando Skinner, todo comportamento tende a aumentar de frequência quando é reforçado. A bronca muitas vezes não pune porque ela pode vir mesclada com a atenção, esse tal olhar do outro que constitui. Em outras palavras, a reflexão que pretendo trazer é a seguinte: o aluno problema não é o problema, mas sim como lidamos com ele e a forma que naturalizamos alguns comportamentos nossos. Olhar para o sujeito na sua constituição integral, buscar não patologizar, "Poxa, Alberto é hiperativo", e acima de tudo, o que nós, enquanto cuidadores e professores, podemos fazer para aumentar a frequência de comportamentos positivos de nossas crianças. É um processo de evitar a culpabilização e buscar mais a responsabilidade de entender que na posição de adultos, somos referências e modeladores desses indivíduos. Fazemos parte do ambiente e ele é fundamental na constituição do eu de cada criança.
 
Por Samara Arantes Barbosa (Licencianda em Psicologia na UFG. Relato de uma experiência de estágio) 

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário