Quem entra pela primeira vez nos espaços da
Escola de Educação Infantil Ateliê Carambola,
na Vila Mariana, em São Paulo, se depara com paredes cobertas de
invenções, discursos, experiências estéticas, pequenas grandes ideias,
desenhos e fotos de um cotidiano permeado por possibilidades infinitas.
Tudo isso em uma casa espaçosa, com quintal largo, terra, areia, árvores
e uma caramboleira que dá nome ao espaço. "Os espaços não são
sofisticados, as relações é que são", diz a diretora, Josiane Pareja Del
Corso.
No lugar das atividades "prontas", em que quem propõe é o professor,
ali, são as crianças as disparadoras primeiras das ações pedagógicas.
Nos grandes painéis que permeiam todos os ambientes da escola e contam
como são os projetos desenvolvidos, aparecem as primeiras pistas de que
ali a criança é protagonista. Tem explorações com água, experimentações
com argila, pesquisas sensoriais sobre luz, sombra e muitas outras
materialidades. A premissa parece ser uma só: se habita o mundo, habita
também a curiosidade o interesse das crianças, e, portanto, cabe
transformar em matéria-prima para a escola.
O
Catraquinha acompanhou este encontro entre educadores e interessados em infância do Brasil inteiro e conta, nesta matéria, sobre a
Pedagogia da Escuta,
uma das práticas que fundamenta o jeito malaguzziano/reggiano de fazer
educação infantil. O que é? Como colocar em prática? Por que este pode
ser um caminho possível para conceber uma escola verdadeiramente
transformadora, empática e acolhedora, que seja capaz de formar sujeitos
habilitados emocionalmente?
Créditos: istock
Na
Ateliê Carambola, as crianças são estimuladas em um cotidiano permeado
de explorações sensoriais, e o dia a dia é documentado pelas educadoras.
Antes de falar sobre a linha pedagógica de Malaguzzi - que, assim
como qualquer outra proposta que se tenha, se coloca não como uma
solução ou uma verdade absoluta, mas sim como uma das muitas
possibilidades de ampliar o olhar para as muitas possibilidades de
repensar a educação tradicional - é preciso entender de que criança
estamos falando. Qual é a concepção de infância que está por trás de
nossas práticas como educadores, pesquisadores, professores, pais e
cuidadores? Enxergar a criança de uma determinada forma é uma escolha, e
é ela que dá norte para o que será feito.
"A infância, mais do que nunca, precisa de pessoas que
queiram verdadeiramente estar com elas", defende a educadora Josiane
Pareja Del Corso, idealizadora Ateliê Carambola, que conduziu o
encontro.
Ela conta que é comum ouvir professores que dizem ter escolhido a
Educação Infantil simplesmente por que gostam de crianças, ou por
motivos excessivamente tornar educador infantil. E é aí que entra a
pergunta: quem é essa criança de que tanto falamos? Se partimos do
princípio de que a criança é um ser vazio, uma folha em branco a ser
preenchida (concepção que até hoje define muitas práticas das escolas
tradicionais), dificilmente vamos alcançar a sua potência.
Créditos: Catraquinha
A
transição da lógica transmissiva das escolas tradicionais para a lógica
participativa da pedagogia malaguzziana não é simples, pois está
relacionada a uma transformação no modo de pensar.
Josiane explica que esse entendimento de que a criança não é um vir a ser, mas que já é um indivíduo é fundamental para conceber uma escola que se pretenda malaguzziana.
“A infância é um período inaugural, e não de preparação
para se tornar adulto. A criança é um filhote de humano, um ser pleno em
sua humanidade inicial”, diz.
A concepção de infância que norteia a Pedagogia malaguzziana é co-construcionista, interacionista, ecológica e genética.
O que isso significa? Que a criança é um ser social que nasce de uma
determinada forma e se transforma a partir da relação com o outro. Por
isso, o ambiente escolar precisa ser pensado para fazer emergir todos
esses potenciais.
“As crianças devem sentir que toda a escola, incluindo o espaço, os
materiais e os projetos valorizam e mantêm sua interação e comunicação.
Educar significa incrementar o número de oportunidades possíveis”,
explica Josiane. E quando ela diz "oportunidades", remete às
experiências que se oferecem à criança, desde os cheiros que vêm da
cozinha até as folhas que caem da árvore no quintal.
Para alcançar esse patamar de integração, é preciso que todos os
agentes da escola estejam aptos a sustentar esse ponto de vista, desde o
porteiro até o diretor, passando por faxineiros, cozinheiros e
secretários. Algo que cabe a cada escola avaliar e pensar na melhor
maneira de colocar em prática, afinal, não é um processo fácil, requer
dedicação e muito trabalho.
Assim, um resumo possível é dizer que a criança, vista sob a
perspectiva malaguzziana, é multifacetada, não tem um rosto só nem uma
só personalidade. É curiosa, inquieta, exploradora, fluida, volátil,
está sempre em movimento: é uma criança indeterminada justamente porque a
cada instante é uma, e porque em uma mesma sala de aula existem muitas,
e cabe ao professor acolher todas essas individualidades.
- Pedagogia da Escuta: de onde vem?
Créditos: Reprodução/Ateliê Carambola
O educador Loris Malaguzzi foi o iniciador do movimento educacional de Reggio Emilia, na Itália.
Fonte: Catraquinha
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