sexta-feira, 29 de setembro de 2017

'Pedagogia da escuta': a escola sob uma perspectiva malaguzziana

Quem entra pela primeira vez nos espaços da Escola de Educação Infantil Ateliê Carambola, na Vila Mariana, em São Paulo, se depara com paredes cobertas de invenções, discursos, experiências estéticas, pequenas grandes ideias, desenhos e fotos de um cotidiano permeado por possibilidades infinitas. Tudo isso em uma casa espaçosa, com quintal largo, terra, areia, árvores e uma caramboleira que dá nome ao espaço. "Os espaços não são sofisticados, as relações é que são", diz a diretora, Josiane Pareja Del Corso.
No lugar das atividades "prontas", em que quem propõe é o professor, ali, são as crianças as disparadoras primeiras das ações pedagógicas. Nos grandes painéis que permeiam todos os ambientes da escola e contam como são os projetos desenvolvidos, aparecem as primeiras pistas de que ali a criança é protagonista. Tem explorações com água, experimentações com argila, pesquisas sensoriais sobre luz, sombra e muitas outras materialidades. A premissa parece ser uma só: se habita o mundo, habita também a curiosidade o interesse das crianças, e, portanto, cabe transformar em matéria-prima para a escola.
Foi este o cenário de um encontro potente que aconteceu neste sábado, 2 de setembro, "A documentação malaguzziana - Uma forma de conceber a escola da infância". Oferecida pelo Ateliê Centro de Pesquisa e Documentação Pedagógica da Carambola, esta foi a primeira parte de uma formação continuada de quatro encontros, que discutem como a linha pedagógica idealizada por Loris Malaguzzi (1920 – 1994) pode ser aplicada no dia a dia.

Catraquinha acompanhou este encontro entre educadores e interessados em infância do Brasil inteiro e conta, nesta matéria, sobre a Pedagogia da Escuta, uma das práticas que fundamenta o jeito malaguzziano/reggiano de fazer educação infantil. O que é? Como colocar em prática? Por que este pode ser um caminho possível para conceber uma escola verdadeiramente transformadora, empática e acolhedora, que seja capaz de formar sujeitos habilitados emocionalmente?


Créditos: istock
Na Ateliê Carambola, as crianças são estimuladas em um cotidiano permeado de explorações sensoriais, e o dia a dia é documentado pelas educadoras.


  • Quem é "a criança"?
Antes de falar sobre a linha pedagógica de Malaguzzi - que, assim como qualquer outra proposta que se tenha, se coloca não como uma solução ou uma verdade absoluta, mas sim como uma das muitas possibilidades de ampliar o olhar para as muitas possibilidades de repensar a educação tradicional - é preciso entender de que criança estamos falando. Qual é a concepção de infância que está por trás de nossas práticas como educadores, pesquisadores, professores, pais e cuidadores? Enxergar a criança de uma determinada forma é uma escolha, e é ela que dá norte para o que será feito.
"A infância, mais do que nunca, precisa de pessoas que queiram verdadeiramente estar com elas", defende a educadora Josiane Pareja Del Corso, idealizadora Ateliê Carambola, que conduziu o encontro.

Ela conta que é comum ouvir professores que dizem ter escolhido a Educação Infantil simplesmente por que gostam de crianças, ou por motivos excessivamente tornar educador infantil. E é aí que entra a pergunta: quem é essa criança de que tanto falamos? Se partimos do princípio de que a criança é um ser vazio, uma folha em branco a ser preenchida (concepção que até hoje define muitas práticas das escolas tradicionais), dificilmente vamos alcançar a sua potência.


Créditos: Catraquinha
A transição da lógica transmissiva das escolas tradicionais para a lógica participativa da pedagogia malaguzziana não é simples, pois está relacionada a uma transformação no modo de pensar.


Josiane explica que esse entendimento de que a criança não é um vir a ser, mas que já é um indivíduo é fundamental para conceber uma escola que se pretenda malaguzziana.
“A infância é um período inaugural, e não de preparação para se tornar adulto. A criança é um filhote de humano, um ser pleno em sua humanidade inicial”, diz.
A concepção de infância que norteia a Pedagogia malaguzziana é co-construcionista, interacionista, ecológica e genética. O que isso significa? Que a criança é um ser social que nasce de uma determinada forma e se transforma a partir da relação com o outro. Por isso, o ambiente escolar precisa ser pensado para fazer emergir todos esses potenciais.

“As crianças devem sentir que toda a escola, incluindo o espaço, os materiais e os projetos valorizam e mantêm sua interação e comunicação. Educar significa incrementar o número de oportunidades possíveis”, explica Josiane. E quando ela diz "oportunidades", remete às experiências que se oferecem à criança, desde os cheiros que vêm da cozinha até as folhas que caem da árvore no quintal.
Para alcançar esse patamar de integração, é preciso que todos os agentes da escola estejam aptos a sustentar esse ponto de vista, desde o porteiro até o diretor, passando por faxineiros, cozinheiros e secretários. Algo que cabe a cada escola avaliar e pensar na melhor maneira de colocar em prática, afinal, não é um processo fácil, requer dedicação e muito trabalho.
Assim, um resumo possível é dizer que a criança, vista sob a perspectiva malaguzziana, é multifacetada, não tem um rosto só nem uma só personalidade. É curiosa, inquieta, exploradora, fluida, volátil, está sempre em movimento: é uma criança indeterminada justamente porque a cada instante é uma, e porque em uma mesma sala de aula existem muitas, e cabe ao professor acolher todas essas individualidades.
  • Pedagogia da Escuta: de onde vem?

Créditos: Reprodução/Ateliê Carambola
O educador Loris Malaguzzi foi o iniciador do movimento educacional de Reggio Emilia, na Itália.


Fonte: Catraquinha
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