segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Cuidado! Assim você me machuca!


Cuidado! Assim você me machuca!

Confesso que meu primeiro dia no CMEI foi bem confuso. E agitado. Como é difícil ser a novidade para um grupo de crianças! Deixei o agrupamento com muitas dores e bastante machucada. Era um tal de puxar a tia para lá e para cá, montar na tia, pular na tia, puxar seus cabelos… Um simples “Assim você me machuca!” parecia incompreensível para elas.

Até que, finalmente, percebi. Seus corpinhos também eram arrastados, puxados, carregados o tempo todo sem nenhuma explicação aparente. Um simples “Assim machuca” parece ser incompreensível. Era como se simplesmente não estivessem lá.

Certamente, é bastante comum que nós, como adultos, olhemos para as crianças como o futuro. É como se ainda não existissem, não pensassem e não sentissem. “Elas ainda vão ser, no futuro, quando crescerem…”, pensamos. Por isso, muitas vezes, arrastamos seus corpinhos de um lado para o outro ou falamos coisas que realmente podem ferir e, realmente, ferimos.

É verdade que as crianças são o futuro. Mas elas também são o presente. Elas já entendem muita coisa, se alegram, se entristecem e podem fazer escolhas! A forma como as tratamos vai, de fato, fazer diferença daqui uns anos e no agora também. Assim, já passou da hora de prestarmos atenção nelas, no jeitinho delas de se comunicarem com o mundo.

Será que falar assim pode magoar? Será que segurar desse jeito pode machucar? Qual é ser a real causa desse choro? São algumas, entre muitas, perguntas que não podem deixar de estar presentes enquanto nos relacionamos com as crianças, pequenas ou grandes, para melhorarmos o mundo para elas no futuro e também no presente.

Por Ana Laura Peralta (Licencianda em Psicologia na UFG. Relato de uma experiência no estágio)

 

Entre olhares: é pelo olhar do outro que nós fazemos e refazemos


Entre olhares: é pelo olhar do outro que nós fazemos e refazemos 

Primeiro dia de CMEI, sabia mais ou menos o que esperar, mas a cada minuto ali é sempre uma nova surpresa. Crianças são movimento. Na hora de ir no banheiro, a auxiliar convoca as crianças para uma fila e segue o percurso até o destino final. Observo que fulaninho fica por último na sala e faz questão de fechar a porta, julgo adequado e faço um elogio, seguimos para encontrar o restante da turma. No meio tempo até o banheiro perguntei seu nome e quem até então era carinhosamente chamado de fulaninho, agora mostra-se um sujeito singular: "Me chamo Alberto". 

Quando chegamos ao local, Alberto entra na fila e começa a brincar com os colegas, vez agressivo, vez piadista. A auxiliar me diz "Então você já conheceu o Alberto? Pode ficar tranquila, até o final do dia você lembrará o nome dele". Sorrio sem graça, por que algo naquela ironia me pareceu fora do lugar, me incomoda, mas ainda não sabia dizer de onde vinha o desconforto. Observei. Até o momento foram três dias de observação e percebi que a auxiliar estava correta ao dizer que me lembraria de Alberto, afinal, Alberto é um nome que ecoa boa parte do tempo na sala de aula. “Alberto senta! Alberto não corre! Não Alberto! Não Alberto! Nãããão Alberto! ”. Os olhares, preciosos olhares, olhares esses que vem de figuras de autoridade, ao que me parece, só se voltam para Alberto quando ele se comporta mal. O não pelo não, sem nenhuma explicação do que isso ou aquilo é errado, do “por que não posso deitar no chão, tia?”, “por que não posso brincar de lutinha com meu colega?” ou mesmo “por que não posso escalar a parede para pegar o pano se eu vejo que o homem aranha faz isso?”.

Alberto pelos meus olhos é um menino carinhoso, esperto e muito brincalhão, gosta de arrancar sorrisos e tem uma necessidade de ser visto e reconhecido, como qualquer um que chegar a ler este texto. Hoje entendo de onde vem o incomodo, os olhares se voltam para Alberto somente quando ele está sendo sapeca. E não, Alberto não é sapeca o tempo todo. Alberto é criativo, quer sentar perto da tia e brincar de futebol, adoleta e outras coisas mais. Alberto só atrai o olhar do outro quando está "aprontando".

E se o olharmos quando ele obedecer? E se elogiarmos quando ele se comportar bem? Alberto não é nem de longe só defeitos, como faz parecer o contato dos adultos com ele. Parafraseando Skinner, todo comportamento tende a aumentar de frequência quando é reforçado. A bronca muitas vezes não pune porque ela pode vir mesclada com a atenção, esse tal olhar do outro que constitui. Em outras palavras, a reflexão que pretendo trazer é a seguinte: o aluno problema não é o problema, mas sim como lidamos com ele e a forma que naturalizamos alguns comportamentos nossos. Olhar para o sujeito na sua constituição integral, buscar não patologizar, "Poxa, Alberto é hiperativo", e acima de tudo, o que nós, enquanto cuidadores e professores, podemos fazer para aumentar a frequência de comportamentos positivos de nossas crianças. É um processo de evitar a culpabilização e buscar mais a responsabilidade de entender que na posição de adultos, somos referências e modeladores desses indivíduos. Fazemos parte do ambiente e ele é fundamental na constituição do eu de cada criança.
 
Por Samara Arantes Barbosa (Licencianda em Psicologia na UFG. Relato de uma experiência de estágio) 

sexta-feira, 24 de maio de 2019

Tempos e tempos: sobre o tempo de adulto e das crianças


Existem tempos e tempos ou o tempo é como o compasso do relógio, alinhado e preciso a todos? Para uns o tempo é TEMPO (ponto), rígido, adequado, marcado e inadiável. Para outros, os tempos são vários, flexíveis, de cada um, assim como o tempo de uma criança. 
 
Meu tempo no CMEI tem sido bem diferente do meu tempo de adulta, uma soma de vários minutos que não parecem ter apenas 60 segundos, eles duram tanto que mais parece uma vida. Observando a rotina das crianças, naquele vai e vem de refeições, banhos, brincadeiras, atividades e conversas, mais parece que a vida adulta se ocupa de adequar as crianças ao TEMPO e não sobra muito para que elas tenham o seu tempo. Eu fico pensando, será que é assim mesmo?
 
Outro dia enquanto acompanhava o banho das crianças, eram várias crianças aguardando aquele momento de se libertarem das roupas e poderem apreciar o pula pula embaixo do chuveiro, percebi que a professora muito atarefada em ensinar o passo a passo do banho, não apreciava o momento, talvez conduzida pela rotina, mantinha o banho dentro do limite de tempo apropriado, para que conseguisse realizar toda a tarefa antes do jantar. Enquanto que para mim que observava parecia tão pouco tempo, não suficiente para explorar aquele momento, para as crianças aparentemente aqueles poucos minutos eram radiantes. A professora tratava de agilizar, auxiliando nos movimentos e a auxiliar acompanhava o mesmo ritmo conduzindo as crianças a se vestir e arrumar os cabelos. Quando uma decidia por estender um pouco mais no banho, logo era repreendida “Vamos logo! Não vai dar tempo de jantar!” Aí era aquela correria.
 
Enquanto isso, me perdia no tempo pensando sobre o tempo, quando por sugestão da professora vi o vídeo “Caminhando com Tim Tim” de Inês Cozzo. O vídeo mostra a perspectiva de uma breve caminhada, apenas 2 quadras, pelo olhar da mãe de Valentim e da própria criança. A mãe vê em sua caminhada apenas calçada, ferragem, mercadinho e portão, por outra lado, Valentim que todos os dia vai a casa da avó a pé, explora cada detalhe das duas quadras de seu caminho, estabelecendo encontros com os moradores e comerciantes, com os animais, catando blocos da calçada e tentando reorganizá-los, bem como fazendo as pausas para atravessar a rua de mãos dadas com a mãe, fora isso, seu caminhar é livre e curioso. Então a mãe percebe que ali naquela simples rotina existem dois tempos, o dela e de Valentim, e a caminhada que ora era passo, calçada e mercadinho, agora é tempo de conversa descontraída, de carinho no gatinho, de pegar pedra, arrumar pedra e esperar a mão da mamãe.
 
De volta a minha dúvida percebo, o nosso tempo não precisa ser o mesmo da criança, é fato que há prazos que precisam ser cumpridos, mas se fizermos do nosso olhar de tempo o olhar da criança, talvez esse tempo dure mais e possamos assim como elas descobrir o valor de cada minuto.

Por Isabel Assunção (Licencianda em Psicologia UFG)

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Um convite a ouvir o que as crianças têm a dizer

 
Um dos momentos mais esperados na licenciatura de Psicologia é a chegada do estágio. A gente nunca sabe exatamente o que esperar e, além disso, sabemos que nunca vamos nos sentir 100% prontos ao que estará por vir. A prática tem algo do inesperado e do dinâmico que a teoria nunca vai apreender totalmente - e a isso chamamos movimento de contradição. É o que torna toda essa experiência tão incrível, inclusive: o fato de sermos completamente surpreendidos por essa falta de limites dos acontecimentos e ao mesmo tempo conseguirmos enxergar elementos teóricos acontecendo ali, na realidade. 

Quando descobri que observar e acompanhar a rotina do o agrupamento de 4 anos no Centro Municipal de Educação Infantil (Cmei), onde faríamos o estágio, fiquei bastante animada pois é uma idade que marcou diversas memórias agradáveis que tenho da minha infância, sobretudo como fui dando significados ao mundo. Fazia diversos questionamentos como “o que é que eu era antes de nascer?” e “por qual motivo o sol é uma estrela?”. Estava sempre perguntando sobre tudo que acontecia e cada descoberta me intrigava muito.

Dessa maneira, uma das partes mais gostosas para mim em toda essa experiência é ouvir as crianças - pois é aí que consigo enxergar o encantamento que elas têm com o mundo. Elas me surpreendem a todo momento. Quem diz que criança não entende nada definitivamente nunca escutou uma criança verdadeiramente. Elas percebem muito mais do que nós mesmos achamos, dando significados e questionando acerca do que as rodeia. Logo no primeiro dia,uma das crianças me chamou para brincar com ela de ser um gato vegano e não apenas me explicou o que era ser vegano, bem como me disse que sua irmã era. Outra criança me definiu que gigante é “aquilo que chega até o céu”. Particularmente, eu acho uma ótima definição.

Sempre que chego, as crianças vêm correndo para me cumprimentar e me contarem coisas pontuais que aconteceram em sua semana, falando sobre suas famílias, suas casas, o que comeram, mostrando algum brinquedo ou roupa nova. Também fazem perguntas e assim que eu respondo alguma, logo vem outra pergunta em cima da minha resposta. A troca que a comunicação com crianças traz é tão maravilhosa e rica que sou obrigada a finalizar esse texto trazendo um clichê: a gente acha que está ensinando alguma coisa, mas é nós mesmos que acabamos aprendendo. 

Eu acho que o que mais fica em cada visita é não perder isso que as criança tem - essa capacidade de a todo momento olhar para o mundo e se encantar com tudo que está acontecendo, tendo vontade de saber mais sobre tudo. De todas as coisas maravilhosas que o estágio traz, a que mais me marca em todas as vezes é essa espontaneidade que a gente vai perdendo no dia-a-dia mas o contato com crianças nos desafia a recuperar. 

Acredito que isso vai para além de uma escuta que trata os conteúdos trazidos na fala de uma criança apenas como aleatoriedades, mas sim ouvindo atentamente e percebendo que aquilo diz de processos de internalização e externalização que ocorrem a todo momento. Portanto, é um privilégio poder ouvir e participar ativamente disso por meio dessas interações. No que depender de mim, a cada terça-feira chegarei sempre ansiosa pelo que elas me trarão!

Por Larissa Gandora

segunda-feira, 20 de maio de 2019

18 de maio

A violência sexual praticada contra crianças e adolescentes envolve vários fatores de risco e vulnerabilidade quando se considera as relações de geração, de gênero, de raça/etnia, de orientação sexual, de classe social e de condições econômicas. Nessa violação, são estabelecidas relações diversas de poder, nas quais tanto pessoas e/ou redes utilizam crianças e adolescentes para satisfazerem seus desejos e fantasias sexuais e/ou obterem vantagens financeiras e lucros. Nesse contexto, a criança ou adolescente não é considerada sujeito de direitos, mas um ser despossuído de humanidade e de proteção.

Em alusão ao Dia 18 de Maio, o Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, por meio da campanha “Faça Bonito – Proteja nossas Crianças e Adolescentes”, vai ressaltar as inúmeras violações de direitos na vida de crianças, adolescentes, suas famílias e comunidade. O objetivo da campanha anual é ressaltar a responsabilidade do poder público e da sociedade na implementação do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, na garantia da atenção às crianças, adolescentes e suas famílias, por meio da atuação em rede, fortalecendo o Sistema de Garantia de Direitos preconizado no ECA (Lei Federal 8.069/90) e tendo como lócus privilegiado os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente no âmbito dos estados e municípios.

O dia 18 de Maio é uma conquista que demarca a luta pelos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes no território brasileiro. Esse dia foi escolhido porque em 18 de maio de 1973, na cidade de Vitória (ES), um crime bárbaro chocou todo o país e ficou conhecido como o “Caso Araceli”. Esse era o nome de uma menina de apenas oito anos de idade, que teve todos os seus direitos humanos violados, foi raptada, estuprada e morta por jovens de classe média alta daquela cidade. O crime, apesar de sua natureza hedionda, até hoje está impune.

O Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes vem manter viva a memória nacional, reafirmando a responsabilidade da sociedade brasileira em garantir os direitos de todas as suas Aracelis. A frase ‘Faça Bonito - Proteja nossas crianças e adolescentes’ quer chamar a sociedade para assumir a responsabilidade de prevenir e enfrentar o problema da violência sexual praticada contra crianças e adolescentes no Brasil.

Fonte: facabonito.org.br

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Educar precisa ser um exercício de propagação de afeto


Educar precisa ser um exercício de propagação de afeto, pois sem ele tudo parece pouco consistente, automático, sem alma.

Com afeto a cena muda: é a possibilidade de os ânimos se renovarem, de os sentimentos poderem ser expressos, é quando a vontade de aprender se intensifica, o mundo ganha novo significado, o futuro passa a ser considerado de forma mais promissora e os sonhos podem se transformar em possibilidades reais.

Os aspectos psicológicos da dinâmica do educar ajudam o educador a compreender melhor o aluno que ali está e que carrega consigo sua história, suas expectativas e a imagem e impressão de si mesmo e do mundo.

Partindo desse princípio e despindo-se de conceitos preestabelecidos sobre esse universo, a relação professor-aluno ganha significados emocionais importantes para a construção de um elo de afeto e confiança mútua que irão potencializar o aprendizado.

Fonte: livro 'O papel das emoções na educação'

quinta-feira, 16 de maio de 2019

A criança se relaciona com o mundo de um jeito muito especial


A criança se relaciona com o mundo de um jeito muito especial. Ela não estabelece relações lógicas como nós adultos as concebemos, porque sua linha de raciocínio passa por outra sintonia que envolve realidade e fantasia, componentes característicos da personalidade infantil.

A criança tem um visão particular sobre os fenômenos e as experiências, já que vinda ao mundo há pouco tempo, recebe o impacto de tudo o que acontece sob a impressão forte das sensações e sentimentos ainda não cultivados pela razão como a entendemos, e que lhes despertam reações muitas vezes surpreendentes.

A criança ainda carrega muito viva em si as formas de manifestação de sentimentos sem lapidação. A matéria bruta de suas expressões será trabalhada aos poucos, conforme a criança se desenvolve, quando adquire a linguagem, alcança certa autonomia e aprende a fazer uso mais coerente do que sente, dando vazão às emoções agora de modo menos intempestivo.

Este movimento de contrabalanço entre razão e emoção, no entanto, é tarefa para toda a vida, pois são dois polos dos quais não podemos prescindir e que costumam agir em esquema de alternância, o que garante nosso chamado equilíbrio emocional.

Por Vera Nunes (psicóloga clínica e institucional, ludoterapeuta, especialista em psicologia médica e psicossomática. Atua nas áreas da educação e da saúde)

quarta-feira, 15 de maio de 2019

O risco no brincar e no aprendizado


As crianças são capazes e competentes e se beneficiam imensamente de oportunidades de exercer sua pulsão de explorar, ir além, buscando novos desafios que desejam vencer. Nesse processo, desenvolvem e aprimoram suas habilidades em lidar com riscos e com o imprevisível. De fato, é exatamente isso que as manterá seguras ao longo da vida: chances de se tornar mais competentes, de aprender a avaliar quais riscos querem ou não correr.

Um dos significados da busca pelo risco é dar espaço, tanto para o sucesso quanto para o fracasso. Nesse processo, as crianças vivenciam acidentes de pequena consequência para, com eles, aprender a evitar os grandes acidentes no futuro. Isso não quer dizer que as crianças devem ser expostas a perigos cujas consequências comprometam sua integridade, como produtos químicos, balanços quebrados ou brincar onde carros passam. Educadores e pais devem permitir os riscos benéficos, nos quais as crianças se engajam por livre escolha e conseguem dimensionar as consequências e lidar com eles.

Há um amplo movimento mundial que defende a importância do risco no brincar e no aprendizado. Em setembro de 2017, a Aliança Internacional de Espaços Escolares (International School Grounds Aliance - ISGA) divulgou uma declaração, endossada por 38 organizações de 16 países e 6 continentes, na qual defende que espaços escolares voltados para o desenvolvimento integral da criança. Adultos e Instituições têm a responsabilidade de usar o bom senso ao proporcionar e permitir  às crianças e jovens atividades que envolvam assumir riscos.

Fonte: Livro 'Desemparedamento da infância: a escola como lugar de encontro com a natureza'

terça-feira, 14 de maio de 2019

segunda-feira, 13 de maio de 2019

"Aquela ali é a terrível"


Todas as vezes que vamos ao mercado nos deparamos com uma série de produtos e seus rótulos. Nestes estão contidas todas as informações referentes àquele. Tudo que compõe aquele objeto está ali, não há nada além.
Esse e outros tipos de rótulos estão presentes nos nossos dias e são de grande utilidade para a comunicação. Por exemplo, seria muito mais cansativo dizer refrigerante gaseificado sabor cola do que simplesmente o que estamos acostumados: coca-cola. Rótulos são práticos e nos permite uma compreensão facilitada ao nos referirmos a determinadas coisas.
O problema é quando utilizamos a mesma lógica com pessoas. Especificamente com os pequenos. E é sobre isso que pretendo falar.
Logo que cheguei ao primeiro dia de observação no CMEI, me foi passado um “roteiro” elencando quem era quem na turma. Diferente de “aquela ali é Fernanda, aquele João, a outra no canto Ângela”, o que foi dito foi algo como “esse aqui é o capeta, a gente faz de tudo pra deixar ele gastar a energia. Aquela ali é terrível, não obedece ninguém. Essa é a introspectiva e esse aqui a gente acha que é autista.”. Sem nomes. Apenas o Capeta, a Terrível, a Calada e o Autista.
Depois, na hora do parquinho ao juntar com outras turmas avistei uma criança chorando e fui questioná-lo sobre o motivo. No meio do caminho fui abordada pela professora que disse: “preocupa não, ele é novato. A mãe já falou que ele é inseguro e emocionalmente frágil”. Pronto, o Inseguro.
A questão é: quem são essas crianças por trás desses rótulos? Por que o Capeta está fazendo aquela birra? Porque a Terrível empurrou o colega? Por que a Calada não está brincando junto com os outros? Por que o Autista está no canto conversando sozinho? E por que o Inseguro voltou a chorar? A resposta vem sem qualquer possibilidade de compreensão. O Capeta tá fazendo birra porque é capeta. A Terrível empurrou o colega porque é terrível, e por aí vai...
Senti como se aquelas crianças fossem resumidas à isso. Sem nada além. E sem possibilidade de mudança por consequência. Rotulando-as de forma tão rígida deixamos de enxergar todas as outras características que as compõem, suas limitações e suas potencialidades. A Terrível é terrível porque é e pronto, e também não é mais nada além disso. Não pode ser, além de terrível, curiosa, esperta, ágil e criativa, porque é a Terrível.
Mais que isso, quando se rotula uma criança, consequentemente estamos colocando-as em oposição a um padrão normativo. Um padrão constituído num ideal onde a valoração pelas singularidades, seja em suas personalidades ou nas histórias individuais que as sustenta, é ignorada. E ainda, tudo aquilo que foge ao padrão se torna patológico e por isso deve ser extinguido. De preferência o mais rápido possível. E aí dá-lhe Ritalina.
Por isso é importante questionarmos tal lógica da patologização do singular. Do quieto ao acelerado, da calada ao que fala pelos cotovelos, da que gosta da “fuzarca” ao mais organizado... O importante é saber que as diferenças existem e que são preciosidades, não doenças. E que uma criança nunca é uma coisa só, mas sim um universo de outras tantas, além de um mar de possibilidades do que podem vir a ser.

Por Anna Luisa Cabral (Licencianda em Psicologia - UFG)

sábado, 11 de maio de 2019

Roda de Conversa & Oficina sobre Brincadeira


Roda de Conversa & Oficina: A importância da brincadeira para o desenvolvimento infantil
CMEI Santa Mônica

Ontem fomos ao Centro Municipal de Educação Santa Mônica fazer uma Roda de Conversa com os pais dos pequenos de 2 anos sobre a Importância da Brincadeira para o Desenvolvimento Infantil

Foi um momento muito rico se reflexão, no qual pudemos rememorar a infância de cada um e o papel que a brincadeira teve na constituição da subjetividade dos familiares ali presentes

Também conversamos sobre as mudanças históricas e sociais em relação ao brincar e a necessidade deles estarem sempre mediando a brincadeira dos filhos de alguma forma

Ressaltamos que a interação é mais essencial do que gastar com brinquedos caros. Se brinca no dia a dia, no caminho pra escola, no banho, nas refeições, na hora de ir dormir... e mais, criar, imaginar e construir brinquedos vale mais para o desenvolvimento dos pequeninos, do que os 'brinquedos que brincam sozinhos'

A partir dessa conversa, em um segundo momento promovemos uma oficina, coordenada pelos @engenheirosdainfancia , em que os pais puderam construir um brinquedo com os filhos. Tudo feito com materiais reciclados, que fazemos uso diariamente.

Foi um momento lindo de interação, vínculo, diversão e muita brincadeira!

O brincar é transformador!

Agradecemos a receptividade do cmei, aos @engenheirosdainfancia e ,principalmente, à @ufg_oficial que como universidade federal permite esse diálogo incrível com a comunidade, de forma que podemos trazer à realidade social tudo o que temos aprendido na faculdade

sexta-feira, 10 de maio de 2019

A pressa é inimiga da infância


Nesse mundo competitivo e produtivista, a questão do tempo mudou. Os segundos são contados para dar tempo de fazer as inúmeras tarefas programadas para um só dia, tudo é feito às pressas. Nós, adultos, ficamos imersos no meio de uma rotina estressante, desgastante e corrida e colocamos as crianças na mesma lógica. 

Acordar cedo, correr para a escola … almoça correndo e já tem futebol, inglês, dança, reforço escolar, natação … fim do dia e a criança cansada ainda quer atenção de pais muito mais cansados.
A quantidade de atividades e a pressa impede que a criança tenha direito à coisas tão caras para o seu desenvolvimento: o ócio e o tédio. A infância é um tempo social da vida que percebe e vive o tempo de forma distinta. O caminho até a escola realizado em cinco minutos pode se tornar um caminho de trinta minutos cheio de descobertas, aprendizagem e tempo com a criança. É preciso tempo para descobrir um mundo todo novo todos os dias, e a pressa é inimiga da infância.

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Infâncias e Crianças no Plural




A criança que você foi não pode ser comparada com a criança que outra pessoa foi. Da mesma forma, não se pode comparar sua infância com a de agora. De acordo com a Rede Municipal de Educação do Município de Goiânia “infância é um tempo social e histórico, em que a criança, indivíduo social, constrói sua história demarcadas pelas experiências humanas e determinadas pelas formas de organização da sociedade”. Sendo assim, as infâncias são marcadas pelo contexto histórico, político, cultural, econômico e social. 

O contexto é diferente e o advento da tecnologia modificou a relação tempo e espaço, bem como as relações interpessoais estabelecidas. As crianças não brincam mais como antigamente, os jogos mais atraentes se tornaram os tecnológicos; mas isso não significa que não brinquem, que não se desenvolvam, que não aprendam. Muita coisa mudou, mas crianças ainda existem e devem ser respeitadas em seus direitos.

Mergulhar nesse vislumbre do passado, como se fosse muito melhor que o presente, pode levar a ignorar que as características da infância atual é diferente e, consequentemente, as crianças se comportam de formas diferentes. Esquecer que criança deve ser compreendida na sua totalidade, preocupando-se com seus processos de constituição como seres humanos que vivenciam diferentes contextos sociais, as suas culturas, as suas capacidades intelectuais, criativas, estéticas, expressivas e emocionais que agregam à diversidade de suas histórias familiares, sociais, culturais e econômicas.

Fonte: Projeto Político Pedagógico da Rede Municipal de Educação de Goiânia

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Qual barreira é maior: biológica ou social?






Hoje trouxemos essa reflexão para pensarmos sempre. Muitas vezes nos referimos às crianças com alguma deficiência como se sua condição fosse barreira para as relações, aprendizados e desenvolvimento. No entanto, a barreira social, o preconceito, os estereótipos se colocam como principal entrave no desenvolvimento saudável dessas crianças. 

É importante defendermos a diferença e diversidade como possibilidade de práticas pedagógicas que considerem a pluralidade presente no cotidiano das relações contextualizadas, e que rompam com a dualidade melhor - pior/bom - ruim, que promove a exclusão e o preconceito.

terça-feira, 7 de maio de 2019

Um dia prederam o choro...


Um dia prenderam o choro. Ninguém entendia muito o motivo, mas o choro sempre escutava coisas como: “nem doeu”, “já passou” ou “você já é muito grandinho para chorar. Mas o choro sabia muito bem que ainda doía, que não havia passado e que não existe idade para chorar.
Dentro de uma cela fria, escura e solitário, o choro lamentava pois sabia que se ficasse muito tempo ali poderia nunca mais sair tornando o mundo apático e talvez até insensível. O choro então se debatia e se apertava tentando passar entre as grossas grades que o prendiam, mas era em vão. A sentença dada ao choro era dura e diária.
O choro foi sentindo-se sozinho, sem importância. Sem alimento e cuidado foi perdendo as forças e parando de lutar para se desvencilhar das correntes que o prendiam. O choro sabia que estava morrendo aos pouquinhos, mas nada podia fazer. Seu juíz era duro demais. A lei, apesar de injusta, era clara: não se deve deixar o choro livre.
As esperanças já estavam se acabando, quando o choro sentiu um toque diferente. Não era um grande juiz que o julgava a cada vez que ele lutava por sua liberdade, mas uma mão caridosa e empática, que podia sentir e compreender a dor que o choro sentia em não poder escorrer por entre a fina pele levando consigo dor, ressentimento, tristeza e proporcionando alívio.
 Aquele toque, aquelas palavras doces eram o que o choro precisava para retomar sua esperança e seu ideal de liberdade e, juntando todas as forças possíveis que ainda tinha, pode então derrubar as grades que o prendiam. O choro então veio como uma cachoeira em sua tão sonhada liberdade. Compulsivamente o choro escorria por aquele pequeno rosto, experimentava o alívio de poder sentir o calor do sol e saber que não estava só. O choro veio e escutou a mais linda frase, diferente de tudo que estava acostumado a escutar: “tudo bem, pode chorar, eu sei que estava doendo”.
Descobriram, assim, a importância de deixar-se chorar. Reconheceram que o choro não é mau, ele é importante para a vida, para o viver. Entenderam que crianças choram, meninas e meninos, e adultos também podem chorar. Sentir e viver a emoção do momento. Libertem o choro, libertem as emoções, libertem-se a si mesmos.


Por Nayara Feitosa (Graduanda de Psicologia UFG)

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Palestra: A importância da Brincadeira no Desenvolvimento Infantil


Na última sexta-feira aconteceu a nossa primeira Palestra&RodaDeConversa do semestre. Foi o dia do “Criança em Questão” dialogar com os pais e mães da Escola Municipal de Tempo integral Santa Rita de Cássia (Vale das pombas) sobre a importância de brincar com as crianças. 

Foi um momento rico de trocas de experiências significativas, no qual as pessoas puderam rememorar os momentos das brincadeiras na infância: a liberdade de poder brincar na rua, se sujar, construir seus próprios brinquedos com matérias simples e, principalmente, brincar junto com outras crianças e com os familiares. 

As famílias puderam identificar que esses aspectos das brincadeiras infantis tem se perdido, sobretudo em decorrência do uso da tecnologia (principalmente o celular), e reconhecer a importância de participarem ativamente e afetuosamente dos momentos de brincadeiras com seus filhos. 
 

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Dia Da Educação


Você sabia que dia 28 de abril é comemorado o Dia da Educação?

📚A data tem por objetivo incentivar e conscientizar a população sobre a importância da educação, seja escolar, social ou familiar, para a construção de valores essenciais na vida em sociedade e do convívio saudável com outros indivíduos. 

📚O dever do Estado é garantir condições para a formação educacional de todos os cidadãos, com qualidade e gratuitamente.

📚O Brasil ainda enfrenta graves problemas com a qualidade do ensino e educação, no entanto o número de analfabetos caiu bastante nos últimos dez anos, segundo dados do Ministério de Educação e Cultura - MEC.

📚No Brasil, a educação também é motivo de destaque no dia 25 de agosto, quando se comemora o Dia Nacional da Educação Infantil, a partir da Lei nº Lei 12.602/12, sancionada pela presidente Dilma Rousseff.

📚O dia da Educação foi escolhido no dia 28 de abril quando terminava o Fórum Mundial de Educação realizado em Dakar, Senegal, no ano de 2000.

📚Neste Fórum ficou estabelecido o compromisso dos países de levar a educação básica e secundária a todas as crianças e jovens do mundo.

 
💡"A educação é a única solução" (Malala Yousafzai)

segunda-feira, 25 de março de 2019

"A momo tem medo de menino que brinca de bola no quintal"


Este texto oportuno e elucidativo está dirigido aos pais, aos professores, a todos aqueles que cuidam de crianças. Assim como, também, dirigido para todas as crianças. As informações que ele contém são excelentes para pensarmos sobre esse tema (também, nos fornece ideias de como tratá-lo), assunto cujo objetivo é a tentativa de provocar, entre as crianças, atos malignos contra si próprias.

Agora passo a digitar o texto que figura na imagem a seguir:


“A Momo tem medo de menino que brinca de jogar bola no quintal. A Momo se assusta com quem se suja de terra, joga (não entendi), peteca, peão e anda de skate. A Momo não sai no sol! 
Ela gosta da solidão escura do quarto, do canto abandonado da sala, da tela fria de led. Ela abraça crianças abandonadas. 
Menino que corre rápido e sobe em pé de fruta ela nunca vai pegar! 
Não tenham medo crianças! Vamos, não tenham medo, o céu é o nosso limite e a gente pode escalar o arco-íris”. 



(Não identifiquei o autor).


Fonte: Centro Lydia Coriat

Os videogames são culpados pela violência?

Por Alexandre Doia



Os videogames são culpados pela violência?

A tragédia de Suzano traz à tona uma polêmica discussão que envolve os jogos eletrônicos e a violência. Diante desse ato que nos choca, investigações realizadas revelaram a estreita relação dos jovens com jogos que apresentam conteúdos violentos. Alguns afirmam a proximidade de seus trajes e objetos carregados com aquilo que é visto nas telas. É importante analisar essas questões de uma forma ampla, e não reduzir as discussões em apenas um objeto. Seriam os jogos eletrônicos um ponto fundamental que culminou nessas ações?
Temos que considerar que os conteúdos presentes nos videogames, assim como em outras diversas mídias do entretenimento que consumimos diariamente, são informações que são transmitidas e necessitam passar por um processo de elaboração do conhecimento. A pessoa que tem contato com esses temas necessitará organizar e refletir sobre aquilo que é visto. É inegável que esses meios reproduzem nossa realidade e as condições nela presentes, mesmo que sejam de forma fantasiosa.  Essas imagens carregam informações e ressoam em nosso psiquismo, isto é, tem repercussão em seu público e apresentam consequências. Isso gera uma tensão quando pensamos que as pessoas podem tomar para si aquilo que veem constantemente.
Isso nos leva a pensar na violência de nossa sociedade que se apresenta de forma sistêmica, rotineira, banalizada e muitas vezes revestida de entretenimento. Essa violência, quando transmitida ou mesmo utilizada para fins de lazer (filmes, jogos, seriados, programas, entre outros) captam nossa atenção e atraem um vasto público. Quando são sentidas na pele, viram um ponto chave de debates que envolvem as condições de nossas vidas. O medo que se instaura frente a um cotidiano que constantemente coloca em risco nossa segurança abre um campo para diversas atitudes e pensamentos a respeito da resolução desses problemas, que muitas vezes podem ser extremadas ou desesperadoras.
Em um mundo cada vez mais tecnológico, em que os jovens já nascem inseridos nessas condições, o real e o virtual se encontram. Essa virtualidade não é uma ausência, mas se revela como uma forma de escape para a problemática que é vivida na pele. Em um mundo onde as condições de vida não trazem prazer, onde a insegurança e a imprevisibilidade fazem parte de nossas vidas, o virtual abre porta para que nossos desejos possam ser realizados e controlados. Os jogos eletrônicos tornam-se uma das formas para a vazão de muitos sentimentos que temos nessas condições que vivemos. Esse virtual abre possibilidade para realizarmos aquilo que muitas vezes é proibido ou bárbaro frente às regras de nossa sociedade. Os jogos muitas vezes não se prendem em certos aspectos éticos e morais. Tornam-se atrativos e acabam por absorver seus jogadores que vivem constantemente essa outra ambientação. Isso pode levar a uma dificuldade de fomentar um sentimento próprio, um laço com a realidade e a formação de vínculos afetivos com as pessoas à sua volta.
Precisamos levar em consideração a questão mercadológica e pensar a razão desses tipos de jogos ocuparem as posições dos mais vendidos. A sua demanda revela algo daqueles que jogam e que encontram prazer nessa fantasia virtualizada. A reflexão é algo que não se faz presente no conteúdo dos jogos, mas tornam-se elementos que contribuem para o afastamento de situações desagradáveis presentes na realidade devido ao seu caráter lúdico e recreativo. Esse contato com o real permitiria uma crítica sobre a realidade, porém, essa fuga é incitada por diversos meios de comunicação e pela própria estrutura do jogo, que incentiva a prática e recompensa o jogador. Nessa perspectiva, o contexto da sociedade permanece inalterado, assim como suas condições.
O grande sucesso diante o seu público evidencia a força de atuação que esse meio do entretenimento possui e a potencialidade que carrega. Não se pode negar como os jogos eletrônicos fascinam as pessoas e podem desenvolver inúmeras habilidades em seus utilizadores. Contudo, assim como em outras mídias que a todo momento estamos em contato, devemos questionar a banalização de seus conteúdos e não tratá-los em uma suposta neutralidade.
Mas, diante dessa imersão vivida coletivamente (nos jogos, em redes sociais, aplicativos e afins) e dependendo do grau em que isso acontece, o afastamento dessa virtualização é necessária quando se volta a ter um contato com as condições que estão inseridos. A realidade não pode perder o seu sentido. A frieza não pode ser algo que faça parte da constituição das pessoas. Aqueles com quem nos relacionamos não podem virar “algo”, uma “coisa” que não faça diferença em nossa existência. A nossa vida só faz sentido com a presença dos outros e por meio das respectivas relações que estabelecemos com eles.  O questionamento frente a todo esse cenário de violência se faz imprescindível, e quando pensamos em crianças e adolescentes, o papel de uma outra pessoa que as faça refletir sobre aquilo que constantemente estão consumindo é de fundamental importância.
E, ao final, se voltarmos para as discussões iniciais, veremos que a todo momento o problema se volta para um âmbito muito maior no qual os jogos podem ser apenas uma das formas, dentre várias, para que esses processos sejam acentuados. Não é uma culpabilização dos mesmos, mas sim refletir a forma como estão sendo empregados em nossa sociedade, pois os jogos podem ser muito benéficos quando utilizados de uma maneira que não fomentem apenas a violência.

* Alexandre Crispim Pires Doia (Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Goiás - PPGP/UFG (2017). Graduado em Psicologia, bacharel (especifico da profissão) e licenciatura, pela Universidade Federal de Goiás (2013). Professor substituto de Psicologia da Universidade Federal de Goiás (UFG)

domingo, 24 de março de 2019

A emoção na sala de aula: o que cabe ao professor?

 Por Soraya Santos e Jordana Balduíno


A emoção na sala de aula: o que cabe ao professor?


Emoções não podem ser ignoradas e são importantes para a evolução da inteligência, mas sala de aula não é consultório

Falar de emoção na sala de aula é sempre intrigante, pois existem diferentes perspectivas para abordar o tema. Alguns professores acham que esse assunto não é para ser tratado na escola: lá seria um lugar de conhecimento, em que a afetividade estaria em segundo plano e somente o aspecto cognitivo seria relevante. Por outro lado, existem profissionais que dão tanta ênfase ao aspecto afetivo, como se todos os problemas emocionais pudessem ser tratados na sala de aula. Este é um tema controverso, mas, seguramente, pode-se afirmar que nenhum desses extremos é capaz de apreender a questão em sua totalidade. Aliás, como em quase tudo na área da Educação, respostas dicotômicas são apenas parciais. Não se trata de discutir se a emoção deve ou não estar na escola, porque ela já está, mas também não se pode concluir que a escola consiga solucionar todos os problemas no âmbito afetivo, porque ela não pode.

Segundo a psicologia de Henri Wallon, o homem é um ser completo, isto é, expressa domínios da cognição, da afetividade e do movimento, sendo que esses domínios se influenciam, e em cada momento do desenvolvimento da criança, há a predominância de um desses aspectos. 

Por isso, não é possível que dentro da escola as emoções sejam ignoradas. Ao entrar na sala de aula, o professor não pode pedir: “Caro aluno, vou fechar a porta, por favor, deixe do lado de fora suas emoções, sentimentos, paixões...”. Nem mesmo o professor pode despir-se de suas manifestações afetivas quando está lecionando. No entanto, é evidente que o educador tem (ou deveria ter) condições de racionalizar muito mais suas próprias emoções do que o aluno. E, mais do que isso, de compreender as manifestações afetivas deles, ajudando-os no seu desenvolvimento.

Para Henri Wallon, esse entendimento de que as emoções nos constituem, que não podem ser ignoradas e de que, na verdade, são importantes para a própria evolução da inteligência, revela a necessidade de que o professor seja bem preparado para o ato de ensinar.

Assim, se as emoções estão na sala de aula, ao mesmo tempo em que não são o foco central do ato educativo, o que cabe ao professor? Essencialmente, conhecer e respeitar o aluno. Conhecer significa, antes de tudo, entender o desenvolvimento da criança, compreender que cada etapa tem uma função e que a própria criança deve ser sua referência, evitando-se assim as comparações e favorecendo o atendimento às necessidades de cada aluno.
De acordo com Laurinda Ramalho de Almeida, “é responsabilidade do adulto, e principalmente do educador, adequar o meio escolar às possibilidades e necessidades infantis do momento”. Ao conhecer o aluno o professor torna sua ação psicológica, uma vez que, para Henri Wallon, “a orientação do ensino torna-se psicológica a partir do momento em que ele pretende adaptar-se ao espírito e à natureza da criança”.

Mas, além de conhecer a criança, a perspectiva de Wallon nos leva também ao entendimento de que é preciso que o professor aprenda a respeitar o aluno. Laurinda Ramalho de Almeira explora esta questão e sintetiza essa ideia afirmando que o fundamento do trabalho do professor é o respeito pelo aluno. Segundo a autora, respeitar o aluno significa:
  • aceitá-lo no ponto em que está, conhecê-lo em sua etapa de formação e conhecer os meios em que ele possa desenvolver suas ações;
  • não impor limites a seu desenvolvimento;
  • oferecer outros meios e grupos para que ele possa desenvolver suas ações;
  • aceitar que a Educação é uma relação evolutiva, que vai se transformando e tende para a autonomia, para o ponto em que o aluno não precisa mais do professor.
Isso só será possível se o professor assumir sua função de observador atento da criança. Assim, a autora afirma que “o professor precisa ser um arguto, lúcido, constante observador de seu aluno. Observador da criança como uma pessoa completa, integrada, contextualizada; observador da criança em cada um de seus domínios funcionais”. Mas, ao observar e demonstrar interesse pelo aluno, o professor pode vir a se deparar com questões afetivas que extrapolam suas possibilidades de intervenção. Nesse momento, é preciso reconhecer os limites de sua atuação e contar com um serviço multidisciplinar que possa apoiar a criança nas suas necessidades. A parceria com a família é fundamental e podem ser necessários encaminhamentos específicos, para os quais a escola precisa estar preparada. 

Nas situações, entretanto, do dia a dia da sala de aula, em que caberá ao professor lidar com as mais diversas manifestações afetivas do conjunto dos alunos e não apenas de uma criança, vale ressaltar a importância de conhecer alguns aspectos das emoções como, por exemplo, o fato de que são contagiosas. Wallon refere-se a isso em muitos de seus trabalhos e Laurinda Ramalho de Almeida reitera que, dentro do ambiente escolar, muitas vezes esse contágio leva a um “circuito vicioso”, no qual uma determinada emoção se expressa em uma criança, logo também em outra criança e, muitas vezes também, por fim, no próprio professor. Por exemplo: uma criança pequena chorando logo contamina os colegas com seu choro, assim como uma criança maior pode contaminar os amigos e o professor com sua raiva ou com sua apatia. Cabe ao professor não apenas não se deixar contaminar, como também romper este “circuito” impedindo que o contágio se alastre. Isso só é possível à medida que o professor opera com a razão sobre a emoção e ajuda seus alunos a também operarem racionalmente. Atividades que permitam a manifestação das emoções são aliadas importantes, dentre elas pode-se ressaltar a expressão em desenhos, textos, música, poesia, teatro e discussões que permitam “o movimento para liberar a tensão, intercalar momentos de maior e de menor concentração”.

Cabe ao professor, portanto, conhecer seu aluno, respeitá-lo integralmente e ajudá-lo na empreitada de, pouco a pouco, ser capaz de superar obstáculos e as situações de imperícia agindo racionalmente. Dessa maneira, na atuação do professor “assumem relevância a sensibilidade, a curiosidade, a atenção, o questionamento e a habilidade de observação”, descreve a autora Abigail Alvarenga Mahoney. Muito mais do que repassar conhecimentos, é necessário compreender-se como humano e, assim, enxergar os alunos para além das funções cognitivas. 

Esta é a difícil tarefa!

*Soraya Vieira Santos é pedagoga, mestre e doutora em Educação. Jordana de Castro Balduino Paranahyba é psicóloga, mestre e doutora em Educação. Ambas são professoras de Psicologia da Educação na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás (FE/UFg) e coordenam a pesquisa “A emoção na escola: um estudo sobre como a temática da afetividade tem comparecido nas escolas de Educação Básica”.
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