quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A criança não sabe senão viver sua infância!

Há muito se sabe que a criança difere do adulto não só devido à sua estatura e desenvolvimento físico. Sendo o desenvolvimento um processo integral que envolve aspectos físicos, cognitivos e afetivos, compreendemos que a criança possui uma forma de ver, de se relacionar e entender o mundo diferente da do adulto. A lógica do adulto não é a mesma da criança, as lentes que utilizamos para ver e interpretar o mundo são diferentes! A linguagem abstrata e figurada do adulto é capaz de fazer com que simples frases, cenas e situações sejam compreendidas pela criança de um modo completamente diferente e, por vezes, confuso para ela. Cabe a nós, adultos, tornar as crianças mais propícias a seu desenvolvimento, estimulando suas descobertas e aprendizagens... só não podemos nos esquecer neste percurso que elas continuam sendo crianças, pensando e agindo como crianças, o que requer de nós paciência para entendê-las, afinal também fomos crianças um dia. 
Qual lógica tem prevalecido na relação que temos com nossas crianças? Existe uma relação de respeito e busca por compreensão do outro? Ou prevalece a lógica do mais forte?
"A criança não sabe senão viver sua infância. Conhecê-la pertence ao adulto. Mas o que é que vai prevalecer nesse conhecimento: o ponto de vista do adulto ou o da criança?" (Wallon, A evolução psicológica da criança)
Por Stéfany Bruna


segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Existe um tempo do meu filho ou só a sobra do meu tempo?

"Agora não, Bernardo" de David Mckee retrata a indiferença dos pais em relação aos seus filhos, nos fazendo refletir sobre em que medida isso também não tem acontecido nas nossas casas.
Assista ao vídeo com as páginas do livro e se deixe impactar!


sexta-feira, 25 de setembro de 2015

O papel fundamental do contexto sócio-cultural na formação do ser humano!


Auxiliares educativas, um pouquinho mais da aula de ontem para vocês!!




Esse é um excelente exemplo para pensarmos que aquilo que é inato, não é suficiente para produzir o indivíduo humano, na ausência do ambiente social. As características individuais ( modo de agir, de pensar, de sentir, valores, conhecimentos, visão de mundo, etc) depende da interação do ser humano com o meio físico e social. 
O desenvolvimento está intimamente relacionado ao contexto sócio-cultural em que a pessoa se insere e se processa de forma dinâmica ( e dialética) através de rupturas e desequilíbrios provocadores de contínuas reorganizações por parte do individuo. ( Rego,1999)



tipi 3


O que você faria se estivesse na savana africana de frente com o mamífero mais feroz e veloz do mundo, com garras afiadíssimas: o grande leopardo? A primeira reação provavelmente seria de medo. E uma criança, como reagiria? Será que nosso medo, como adultos, foi aprendido?

Nunca tendo visto um mamífero igual na sua frente, talvez uma criança não sinta o mesmo que nós… a sua primeira sensação poderia ser: “olha, será que esse animal é amigo?” e institivamente se aproximar.

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A garotinha francesa Tippi Degré nasceu na savana africana há mais de dez anos. Seus pais, ambos fotógrafos da vida selvagem, passam grande parte de suas vidas viajando. Devido a isso, Tippi cresceu na selva da Namíbia. Por estar tão perto dos animais, ou apenas por ter certa sensibilidade e confiança, a garotinha passou a infância interagindo com animais selvagens.
Os pais sempre afirmaram que Tippi possuía um relação diferente com os animais. Para ela, eles nunca apresentavam uma ameaça, apesar de já ter passado por alguns apertos… afinal, animais são bastante imprevisíveis. Entretanto, ela nunca perdeu sua confiança.

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O que faz uma criança ser assim?

De onde ela adquiriu essa confiança?

Por ter nascido naquele ambiente, provavelmente ela foi entendendo que os animais não representavam uma ameaça. A paixão por eles veio quase que naturalmente… ao invés de estar rodeada por humanos, ela estava rodeada por animais. A partir desse momento, talvez, ela tenha se identificado com eles, da mesma maneira que faria com um humano, e passou a entender a sua maneira selvagem de ver o mundo.
As fotos e os vídeos de Tippi com os animais são surpreendentes. Nós, que temos medo de animais selvagens, não conseguimos acreditar como uma menininha tão pequena consegue interagir tão calmamente com gigantes, ferozes, assustadores, imprevisíveis.

















quarta-feira, 23 de setembro de 2015

"Para dedicar tempo aos filhos, é preciso deixar outras coisas de lado"

Para o Sergio Sinay, formado na Escola de Psicologia da Associação Gestáltica de Buenos Aires e especialista em vínculos humanos,não há como ter qualidade de tempo com os nossos filhos sem quantidade. "Em qualquer tarefa para alcançar qualidade é preciso tempo, compromisso, dedicação. O famoso “tempo de qualidade” de que falam muitos pais – e que inclusive tem o apoio de pediatras e psicólogos infantis – é uma desculpa para que os pais não se sintam culpados. Os pais são adultos e um adulto sabe que na vida não se pode tudo. Há que optar. Para dedicar tempo aos filhos, é preciso deixar outras coisas de lado. O “tempo de qualidade” são cinco minutos nos quais os pais culpados dão tudo aos filhos para evitar o conflito. Isso faz muito mal aos filhos."

O escritor Sergio Sinay, 66 anos, é um especialista em vínculos humanos. Sociólogo e jornalista, formou-se na Escola de Psicologia da Associação Gestáltica de Buenos Aires. Requisitado consultor sobre assuntos familiares e relações pessoais, tem vários livros publicados. O mais novo,Sociedade dos Filhos Órfãos, que acaba de sair em português (Editora BestSeller), é uma dura crítica ao modo de vida da atualidade, em que pais delegam a educação e a atenção aos filhos para babás, escolas e até para as novas tecnologias – como celular, televisão e computadores. Esse comportamento transmite aos filhos a noção errada de que basta ter dinheiro para encontrar quem se encarregue daquilo que nos cabe fazer, afirma Sinay, em seu livro.
Casado e pai de um jovem, Sinay diz que o amor é uma construção contínua que se fortalece diariamente com responsabilidade e comprometimento. “Para dedicar tempo aos filhos, é preciso deixar outras coisas de lado”. A seguir trechos da entrevista concedida ao Mulher7x7.
Mulher7x7- Há uma geração de filhos sem pais presentes nascendo ou ela sempre existiu?
SERGIO SINAY – Sempre houve pais que não assumem responsabilidades e sempre haverá. Mas nunca houve como hoje um fenômeno social tão amplo e profundo a ponto de criar uma geração de filhos órfãos de pais vivos. Pela primeira vez podemos dizer, infelizmente, que os filhos com pais presentes que cumprem suas funções são uma minoria.
Até que ponto a relação dos pais com os filhos reproduz um estilo de vida da atualidade?
Vivemos numa cultura do utilitarismo, em que se busca o material a qualquer preço e por qualquer caminho. As pessoas se medem pelo que possuem e não pelo que são. Os pais correm atrás do material e descuidam de seus filhos que, por sua vez, aprendem a valorizar apenas o bem material. Essa é a fórmula para criar filhos materialistas.
Em vários trechos do livro, o senhor diz estar convencido de que muita gente ficará irritada com o que está escrito. Por quê?
Porque muita gente não gosta de escutar ou ler o que precisa, apenas o que gosta. Os pais de filhos órfãos, em sua maioria, não admitem sua própria conduta e acreditam que ser pai e mãe consiste em comprar coisas para os filhos, matriculá-los em escolas caras, dar celulares e computadores modernos.
O senhor relaciona o fracasso dos pais na educação dos filhos ao medo que eles têm da reprovação infantil. De onde vem esse medo e como fugir dessa armadilha?
O medo vem de uma cultura que transformou as relações humanas em transações comerciais. As pessoas se  enxergam como recursos ou clientes. Os pais tratam de comprar o amor dos filhos e temem que o cliente não esteja contente. O carinho dos filhos não se compra. Amor se constrói com presença, atitudes e assumindo a responsabilidade de liderar o caminho dessa vida em direção à autonomia. Para isso, há que se estabelecer limites, marcar as fronteiras, frustrar. Criar e educar é também frustrar, ensinar que nem tudo é possível. Só assim se ensina a escolher. E só quem escolhe pode ser livre. Os pais, no entanto, têm medo de não ser simpáticos, então se esquecem de ser pais, que é o que os filhos precisam.
Ao se referir ao modelo do passado, em que as mães eram o retrato do sacrifício, e os pais, da disciplina ainda que com distância emocional, o senhor diz que todos sabiam seu papel, algo não acontece hoje. Aquele modo de educar era de alguma forma melhor?
Aquele modo de educar tinha muitas limitações e era muito rígido em muitos aspectos. Mas se sabia claramente quem eram os pais e quem eram os filhos. Os pais não tinham medo de atuar como pais, ainda que às vezes cometessem excessos em sua autoridade. Mas é sempre mais fácil corrigir um excesso do que superar uma ausência. Alguém pode mudar um modelo pobre ou insuficiente. Muito mais grave é não ter modelo.
Ao abordar o problema de jovens envolvidos com drogas e violência, o senhor diz que a solução é os pais terem mais controle sobre o que eles fazem e onde vão. Como não resvalar para a superproteção?
A infância e a adolescência são etapas muito breves da vida e necessárias para o amadurecimento biológico, psíquico e cognitivo. Seremos adultos a maior parte da nossa vida. A adolescência termina entre os 18 e os 19 anos. Quando os pais são ausentes ou não cumpriram suas funções, vemos adolescentes imaturos de 30 ou 40 anos. Se os pais pegam no leme do barco, e realizam esse trabalho com amor, ao fim da adolescência, seus filhos serão pessoas com ferramentas para caminhar pela vida. Terão muito por aprender ainda, mas terão boas bases e um bom sistema imunológico contra os principais perigos sociais. Os limites do controle vão mudando com a idade dos filhos e vão se flexibilizando até desaparecer por completo. Para saber quando e como modificá-los, há que estar presente.
Ao propor que os pais busquem interagir com outros pais para a realização de programas em comum e conversas que afinem experiências e atitudes, o senhor está sugerindo que educar é, de alguma forma, uma obra coletiva?
Educar é uma missão intransferível de quem, biologicamente ou por adoção, criou um vínculo de maternidade e paternidade. A responsabilidade é sempre individual. Conversar com outros pais e empreender projetos comuns, ajuda a afirmar a tarefa e permite a troca de experiências úteis.
Nas grandes cidades, em que muitos pais sequer comparecem às reuniões na escola, não é uma utopia propor essa interação entre os pais?
Sem utopias, não se avança. E se cruzarmos os braços, perdemos a batalha. Muitos casais responsáveis e amorosos se sentem sozinhos, não concordam com o que vêem outros pais fazendo e seguem adiante com suas convicções. Por isso, há que falar e propôr interação, dizer a eles “vocês estão num bom caminho”, compartilhem isso. Quando esses pais começarem a falar descobrirão que muita gente pensa assim também, mas estava em silêncio.
É o caso de uma família evitar certos círculos de pessoas e lugares, e até cidades, se achar que a vida do filho está indo pelo caminho errado?
Não se pode ter medo de tomar decisões, dizer não, proibir certas relações perigosas. Os filhos vão protestar, tentarão transgredir. Isso não é um problema, é parte do processo. Os filhos sempre buscarão transgredir para crescer. O problema é quando os pais viram o rosto, olham para o outro lado, não estabelecem limites ou têm medo dos filhos. Ser pai com amor e presença não significa converter-se em uma pessoa simpática, em um animador de televisão. Às vezes, há que se tomar medidas duras.
O senhor diz que muitos pais usam a suposta importância da qualidade do tempo ao lado do filho para justificar a ausência. O que é qualidade de tempo com o filho, na sua opinião?
Não há qualidade sem quantidade. Em qualquer tarefa para alcançar qualidade é preciso tempo, compromisso, dedicação. O famoso “tempo de qualidade” de que falam muitos pais – e que inclusive tem o apoio de pediatras e psicólogos infantis – é uma desculpa para que os pais não se sintam culpados. Os pais são adultos e um adulto sabe que na vida não se pode tudo. Há que optar. Para dedicar tempo aos filhos, é preciso deixar outras coisas de lado. O “tempo de qualidade” são cinco minutos nos quais os pais culpados dão tudo aos filhos para evitar o conflito. Isso faz muito mal aos filhos. Se não há tempo, não há qualidade. E se não há tempo para os filhos, é preciso pensar antes de se tornar pais. Depois é tarde.
Mas muitos pais não escolhem seus horários, o tempo que perdem no trânsito e, por falta de opção, ficam menos com os filhos do que gostariam. O senhor não acha que os filhos aprendem a diferenciar os pais que nunca estão porque não querem dos pais que não estão porque não podem?
A responsabilidade de ser pais nos obriga a fazer escolhas. É verdade que os pais são demandados por muitas atividades. Mas eu pergunto “são todas obrigatórias?”. Muitas vezes, trabalha-se demais para pagar o que não é necessário. Ser pai e mãe é uma oportunidade para aprender a diferenciar os desejos das necessidades. É uma oportunidade para aprender a diferenciar o que a publicidade vende do que realmente precisamos. Tudo que requer nosso tempo é imprescindível? Podemos trabalhar menos enquanto criamos os filhos pequenos? É possível dividir melhor o tempo entre pais e mães? Por que tem que ser sempre a mãe a que duplica suas tarefas? Por que podemos dizer “não” ao tempo que nossos filhos exigem de nós em vez de dizer “não” aos outros? Se os pais têm sempre tempo para suas obrigações e nunca para seus filhos, os filhos aprendem que essas outras coisas (trabalho, reuniões, encontros sociais, esportes etc) são mais importantes do que eles porque nunca podem ser adiados. Não é obrigação dos filhos compreender os pais (ainda mais quando são pequenos). É obrigação dos pais atender às necessidades dos filhos.Por isso é preciso pensar antes de ser tornar pai e mãe.
O senhor critica também a estratégia de entreter as crianças com DVDs em viagens para elas ficarem quietas. Vemos esse comportamento da não-interação se estendendo à mesa de restaurantes, festas. Onde está o erro dessa atitude?
Ser pai e mãe é um trabalho. Não se pode delegar esse trabalho às novas tecnologias. Essas tecnologias muitas vezes nos conectam mas nos tornam incomunicáveis. Isso se vê especialmente nas famílias, onde todos têm celulares e computadores, mas não mantêm diálogos nem proximidade.
O senhor diz que escola não educa, ensina. O que não se deve esperar da escola?
Educar é transmitir valores por atitudes, vivendo os valores que pregamos. Educar é ensinar que as pessoas são o fim, e não o meio, algo que se passa por vínculos. Educar é transmitir a certeza de que cada vida tem um sentido e há que viver a busca desse sentido. Isso é educar, é o que fazem os pais com presença, ações e condutas. A escola é a grande socializadora que ensina a viver a diversidade e a respeitá-la, que treina habilidades para viver e atuar no mundo, que dá informação vital sobre esse mundo e que é uma ponte para ele. A escola e os pais são sócios, não podem se separar, nem se enfrentar. Tem que atuar de um modo cooperativo. Os filhos são alunos da escola, não clientes. A escola não é um parque de diversões, nem creche, nem shopping. A escola não pode fazer a vez do pai e da mãe. Os pais não podem pedir à escola que ocupe o lugar que eles deixam vago. Pais que não respeitam as escolas ensinam seus filhos a não respeitar as instituições.
Que mensagem o senhor daria para os pais que, sem perceber, estão deixando os filhos de lado acreditando estarem fazendo a coisa certa?
Eu os recordaria que ser pai e mãe foi uma escolha. Em pleno século 21, quem não quer ter filhos não tem, de modo que não há desculpas. Quem tem filhos tem responsabilidades sobre uma vida. Essa vida precisa de respostas. E diria que só há uma maneira de aprender a ser pai e mãe: convivendo com os filhos, estando presentes em suas vidas, errar, pedir desculpas, reparar o erro e seguir adiante, sempre com responsabilidade e presença.
Em seu livro, o senhor deixa claro que educar é um processo contínuo que exige envolvimento e dá trabalho, mas é fato que muita gente opta por soluções fáceis. Que soluções fáceis devem ser postas de lado?
Filhos não vêm com manual de instruções. Cada filho é uma pessoa única. Por isso não há soluções fáceis nem receitas. Nossos filhos nos ensinam a ser pais. Querer que um pediatra, um professor, um psicólogo, a televisão, a internet, uma babá, os avós ou a escola se encarregue dos filhos é buscar uma solução fácil. Pais que procuram esse tipo de solução provam que o problema são eles, e não os filhos. Os filhos nunca são o problema. O grande e maior problema (vício em drogas, alcoolismo, violência juvenil, acidentes de carro, comportamento de risco, doenças novas como obesidade infantil ou déficit de atenção, entre outros) não está nos filhos, nas crianças ou nos adolescentes. Estão nos pais.
É possível impor limites sem ser chato?
Aquele que impõe limites não recebe sorrisos nem aplausos, mas assume responsabilidades e logo colherá frutos.
O senhor afirma que o amor é uma construção. O senhor acredita em amor incondicional?
Como bem dizia Alice Miller, uma extraordinária psicóloga suíça que morreu no ano passado, aos 83 anos, e era uma grande defensora dos filhos, o único amor incondicional que existe é dos filhos para os pais. As crianças precisam muito mais dos pais: para crescer, ser guiadas, ter proteção, ser alimentadas, receber valores e, sobretudo, ser amadas. Os filhos não precisam provar seu amor aos pais, mas se os pais amam seus filhos devem dar a eles provas desse amor, acompanhando seu crescimento, transmitindo-lhes valores, colocando limites, frustrando quando necessário, oferecendo um modelo de vida que faça sentido. Sem isso, o amor será apenas palavras.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O olhar que transforma!


Eliane Brum escreve em seu livro "A vida que ninguém vê" um texto capaz de mudar o olhar de quem o lê. Relatando a história de uma professora e de um aluno (foto) em uma vila em Nova Hamburgo, ela consegue mobilizar a reflexão acerca das possibilidades que temos todos os dias de transformar a educação. E mais do que isso, de transformar a vida de nossos alunos e daqueles que necessitam do nosso  cuidado como educadores, ressaltando que isso, muitas vezes acontece por meio de simples gestos, que exigem muito mais da nossa humanidade, do que dos nossos conhecimentos profissionais. 

História de um olhar

O mundo é salvo todos os dias por pequenos gestos. 

Diminutos, invisíveis. O mundo é salvo pelo avesso da importância. Pelo antônimo da evidência. O mundo é salvo por um olhar. Que envolve e afaga. Abarca. Resgata. Reconhece. Salva.

Inclui.

Esta é a história de um olhar. Um olhar que enxerga. E por enxergar, reconhece. E por reconhecer, salva.

Esta é a história do olhar de uma professora chamada Eliane Vanti e de um andarilho chamado Israel Pires.

Um olhar que nasceu na Vila Kephas. Dizem que, em grego, kephas significa pedra. Por isso um nome tão singular para uma vila de Novo Hamburgo. Kephas foi inventada mais de uma década atrás pedra sobre pedra. Em regime de mutirão. Eram operários da indústria naqueles tempos nada longínquos. Hoje, desempregados da indústria. 

Biscateiros, papeleiros. Excluídos.

Nesta Kephas cheia de presságios e de misérias vagava um rapaz de 29 anos com o nome de Israel. Porque em todo lugar, por mais cinzento, trágico e desesperançado que seja, há sempre alguém ainda mais cinzento, trágico e desesperançado. Há sempre alguém para ser chutado por expressar a imagem-síntese, renegada e assustadora, do grupo. Israel, para a Vila Kephas, era esse ícone. O enjeitado da vila enjeitada. A imagem indesejada no espelho.

Imundo, meio abilolado, malcheiroso, Israel vivia atirado num canto ou noutro da vila. Filho de pai pedreiro e de mãe morta, vivendo em uma casa cheia de fome com a madrasta e uma irmã doente. Desregulado das idéias, segundo o senso comum. Nascido prematuro, mas sem dinheiro para diagnóstico. Escorraçado como um cão, torturado pelos garotos maus. Amarrado, quase violado. Israel era cuspido. Era apedrejado. Israel era a escória da escória.

Um dia Israel se aproximou de um menino. De nove anos, chamado Lucas. Olhos de amêndoa, rosto de esconderijo. Bom de bola. Bom de rua. De tanto gostar do menino que lhe sorriu, Israel o seguiu até a escola. Até a porta onde Lucas desaparecia todas as tardes, tragado sabe-se lá por qual magia. Até a porta onde as crianças recebiam cucas e leite. Israel chegou até lá por fome. De comida, de afago, de lápis de cor. Fome de olhar. Aconteceu neste inverno. Eliane, a professora, descobriu Israel. Desajeitado, envergonhado, quase desaparecido dentro dele mesmo. Um vulto, um espectro na porta da escola. Com um sorriso inocente e uns olhos de vira-lata pidão, dando a cara para bater porque nunca foi capaz de escondê-la.

Eliane viu Israel. E Israel se viu refletido no olhar de Eliane. E o que se passou naquele olhar é um milagre de gente. Israel descobriu um outro Israel navegando nas pupilas da professora. Terno, especial, até meio garboso. Israel descobriu nos olhos da professora que era um homem, não um escombro.

Capturado por essa irresistível imagem de si mesmo, Israel perseguiu o olho de espelho da professora. A cada dia dava um passo para dentro do olhar. E, quando perceberam, Israel estava no interior da escola. E, quando viram, Israel estava na janela da sala de aula da 2ª série C. Com meio corpo para dentro do olhar da professora.

Uma cena e tanto. Israel na janela, espiando para dentro. Cantando no lado de fora, desenhando com os olhos. Quando o chamavam, fugia correndo. Escondia-se atrás dos prédios. Mas devagar, como bicho acuado, que de tanto apanhar ficou ressabiado, foi pegando primeiro um lápis, depois um afago. E, num dia de agosto, Israel completou a subversão. Cruzou a porta e pintou bonecos de papel. Israel estava todo dentro do olhar da professora.

E o olhar começou a se espalhar, se expandir, e engolfou toda a sala de aula. A imagem se multiplicou por 31 pares de olhos de crianças. Israel, o pária, tinha se transformado em Israel, o amigo. Ganhou roupas, ganhou pasta, ganhou lápis de cor. E, no dia seguinte, Israel chegou de banho tomado, barba feita, roupa limpa. Igualzinho ao Israel que havia avistado no olho da professora. Trazia até umas pupilas novas, enormes, em forma de facho. E um sorriso também recém-inventado. Entrou na sala onde a professora pintava no chão e ela começou a chorar. E as lágrimas da professora, tal qual um vagalhão, terminaram de lavar a imagem acossada, ferida, flagelada de Israel.

Israel, capturado pelo olhar da professora, nunca mais o abandonou. Vive hoje nesse olhar em formato de sala de aula, cercado por 31 pares de olhos de infância que lhe contam histórias, puxam a mão e lhe ensinam palavras novas. Refletido por esses olhos, Israel passou a refletir todos eles. E a professora, que andava deprimida e de mal com a vida, descobriu-se bela, importante, nos olhos de Israel. E as crianças, que têm na escola um intervalo entre a violência e a fome, descobriram-se livres de todos os destinos traçados nos olhos de Israel.

Israel, não importa se alguém não gosta de você. O que importa é que você siga a vida, aconselha Jeferson, de oito anos. Israel, não faz mal que tu sejas grande e um pouco doente, tu podes fazer tudo o que tu imaginares, promete Greice, de nove. Israel, se alguém te atirar uma pedra eu vou chamar o Vandinho, porque todo mundo tem medo do Vandinho, tranquiliza Lucas, nove. Israel, tu me botas na garupa no recreio?

E foi assim que o olhar escorreu pela escola e amoleceu as ruas de pedra.

Israel, depois que se descobriu no olhar da professora, ganhou o respeito da vila, a admiração do pai. Vai ganhar uma vaga oficial na escola. Já consegue escrever o “P” de professora. E ninguém mais lhe atira pedras. A professora, depois que se descobriu no olhar de Israel, ri sozinha e chora à toa. Parou de reclamar da vida e as aulas viraram uma cantoria. A redenção de Israel foi a revolução da professora.

Em 7 de Setembro, Israel desfilou. Pintado de verde-amarelo, aplaudido de pé pela Vila Pedra.

[18 de setembro de 1999]


quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A importância de uma mãe!


Nos sentimos tão sozinhas e inseguras nessa dura tarefa de conciliar a rotina de maternidade, casa, esposa, trabalhadora, "maẽtorista" e mulher, que muitas vezes não percebemos a dimensão do nosso papel na vida daqueles que realmente nos importa. Que possamos ver nos pequenos detalhes o grande significado do nosso lugar... do nosso tempo... do nosso amor.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Punir é educar?

O Movimento Infância Livre de Consumismo nos convida a refletir, a partir deste texto de Andreia Mortensen, sobre as prioridades que a nossa sociedade vem estabelecendo no processo educacional das crianças. Em um mundo onde prioriza-se a punição, ela propõe como alternativa a prevenção e o acolhimento, acreditando ser essa uma possível forma de romper com o ciclo vicioso de violência que vivemos. Leiam esta breve reflexão e se questionem se o caminho mais curto da punição é realmente o melhor caminho.




"Vivemos numa cultura onde ainda acredita-se que punir é educar.
Onde prevenção não é prioridade. Onde lidar com consequências, mascará-las, varrer para debaixo do tapete, é mais importante do que ENTENDER como chegamos a esse ponto para tentar então prevenir a violência generalizada.
Falamos em punir mais, violentar mais, e punir ainda mais a violência que é gerada nesse ciclo. Não paramos para pensar em prevenção. Em educação. Em acolhimento. Em diminuir desigualdades sociais.
Só em punir as consequências disso. Sem resultados em diminuição de violência.
Mas o que importa, vamos punir mais e mais, que importa se não está adiantando? A ilusão da punição, como solução, é o importa." 

Andreia Mortensen

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

"Não falem de mim, sem mim" Assinado Professora!

Em sua participação no Seminário Internacional da Educação Medicalizada, o CEQ se deparou com uma denúncia fascinante de uma professora da rede municipal de educação da Bahia. Sendo impossível transcrever por completo seu relato, buscaremos nas nossas limitações reconstruir as reflexões que fizemos sobre sua narrativa:


Diante dos profissionais de saúde (psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais) que debatiam na roda de conversa, a professora faz sua chamada:


- Não falem de mim sem mim. Não prescrevam meu trabalho, não me ordenem a todo instante o que devo fazer. Estas imposições hierárquicas, vinda de terceiros, definitivamente não fazem sentido e não são eficazes. Quem melhor pode conhecer a escola e o processo de aprendizagem do que quem vive na pele todos os dias as dores e as delícias do árduo ofício de educar? Se nosso sistema educacional não estivesse cheio de falhas, não haveriam as rachaduras pelas quais os profissionais de saúde entram e patologizam nossas crianças. Por mais que prescrevam diagnósticos e diretrizes, o B-A-BA da educação se resume no cara a cara, na relação do professor com seus alunos. Por isso, mais que prescrições e culpabilizações, precisamos de vosso auxílio para potencializar e mover nossos alunos do lugar do "não saber" para o lugar do "eu posso!

 Para além dos julgamentos, será que o professor e suas crianças realmente tem com quem contar?

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Frida, Parra e Azurduy: editora argentina lança livros infantis com histórias de 'antiprincesas' da América Latina

Depois de um longo feriado, um boa notícia no mundo da literatura infantil para começarmos a semana inspirados.



Elas não viveram em castelos, não se destacaram por sua dedicação aos afazeres domésticos, não sonharam com bailes em palácios e príncipes encantados. As personagens dos livros infantis recém-lançados pela editora argentina Chirimbote são mulheres reais e fantásticas, que marcaram as artes e a história da América Latina – como a pintora mexicana Frida Kahlo e Violeta Parra, ícone da música popular chilena
Por Aline Gatto Boueri, do Opera Mundi
Elas não viveram em castelos, não se destacaram por sua dedicação aos afazeres domésticos, não sonharam com bailes em palácios e príncipes encantados. As personagens dos livros infantis recém-lançados pela editora Chirimbote, da Argentina, são mulheres reais e fantásticas, que marcaram as artes e a história da América Latina.
A pintora mexicana Frida Kahlo e a multitalentosa Violeta Parra, ícone da música popular chilena, são as protagonistas dos primeiros livros da coleção “Antiprincesas”, que em breve ganhará mais um número, dedicado à vida de Juana Azurduy, heroína das lutas pela independência da Argentina e da Bolívia.
“Escolhemos mulheres que transcenderam sua época, que romperam com o que se esperava delas, mas que também tenham trabalhado com outras pessoas e se dedicado a construir de forma coletiva. Essa é uma condição para ser antiprincesa”, explica Nadia Fink, autora dos livros em parceria com o ilustrador Pitu, em entrevista a Opera Mundi. “As princesas esperam sozinhas, buscam a felicidade individual e um final feliz em que necessariamente aparece um príncipe ou, no máximo, uma família. Nós valorizamos outras formas de viver”.
(Divulgação)
(Divulgação)
Revolução e amor livre
E é por isso que entre fotos de Frida quando criança e ilustrações que recriam seus quadros e seu inconfundível buço, salta do texto um pequeno box com a definição de revolução – “quando se modifica o que está mal (entre muitas pessoas)”. A explicação aparece na parte da história em que se conta que, apesar de casados, o muralista Diego Rivera e Frida “tiveram outros amores, mesmo estando juntos” e que “para Frida, o amor acontecia com homens e com mulheres.”
“Como explicar essa tentativa [de Diego e Frida] de viver um amor livre, de não se relacionar de maneira estereotipada, de considerar a possibilidade de estar com outras pessoas, sem explicar que isso aconteceu em um contexto revolucionário?”, indaga Fink.
Já a antiprincesa Violeta Parra, nascida em uma família de trabalhadores pobres, é autodidata, multitalentosa e viaja por seu país, Chile, compilando canções populares que comoveram o mundo em sua voz poderosa.
“Graças ao violão, deixei de descascar batatas.”
Quando Violeta se separa de seu primeiro marido, Luis Cereceda, um pequeno quadro com um bigode abre aspas: “Pode ficar com a sua arte, eu vou embora para sempre”. E na página seguinte, uma ilustração de um homem partindo, enquanto uma mulher sorri e abraça seus filhos enquanto diz que sua única vantagem em relação a outras mulheres do Chile “é que, graças ao violão, deixei de descascar batatas.”
“Não queríamos maquiar essas mulheres ou retratá-las de forma leviana, porque foram mulheres que trabalharam com profundidade tudo que fizeram”, frisa Fink.
(Divulgação)
(Divulgação)
A autora explica que os livros retratam o caminho político de suas protagonistas, independente de suas posições partidárias ou ideológicas, com o cuidado de não transformar os contos em panfletos. “A intenção é disparar ideias nas crianças, não apresentar pensamentos fechados. Não queremos diminuir cabeças, queremos ampliá-las”, avisa a escritora. “Também não queremos matar as princesas, queremos mostrar outras realidades com as quais as crianças possam se identificar.”
Frida e Violeta não viveram felizes para sempre. A pintora mexicana morreu jovem depois de uma longa agonia e de uma vida marcada pelas doloridas sequelas de um acidente na adolescência. A cantora chilena se suicidou pouco antes de chegar aos 50 anos. Para falar desses desfechos que não se parecem a contos de fadas, Fink optou pelo realismo mágico, no caso de Frida, e por deixar em aberto, no caso de Violeta. “Decidimos falar da morte de Frida a partir das lendas mexicanas. No caso de Violeta, preferimos deixar que cada adulto que esteja acompanhando a criança que lê o livro decida como abordar o assunto”, explica.
Depois das histórias, os livros convidam os pequenos leitores a fazer autorretratos em frente ao espelho, como fazia Frida, e a pesquisar canções antigas em conversas com pessoas mais velhas, como fazia Violeta. Convidam crianças a brincar de ser antiprincesas.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

No dia da independência, uma bandeira de compaixão e mobilização pelas infâncias perdidas em nossas guerras neste mundo!

Artistas transformam em ilustrações emocionantes a imagem do menino sírio que morreu na Turquia


As ilustrações que estão se espalhando pela internet não são apenas um tributo ao pequeno Aylan, mas uma bandeira que se levanta por todos os refugiados


missão da CRESCER é ajudar pais e mães a cuidar ainda melhor dos seus filhos, para que eles se desenvolvam, brinquem, aprendam e tenham uma vida plena e feliz. E mais, que possam contribuir para um mundo melhor. Mas, infelizmente, nem todas as crianças têm esse privilégio.
Como pais e mães, é impossível ficarmos indiferentes a certos acontecimentos e imagens, como a do pequeno refugiado sírio Aylan Kurdi, encontrado morto na praia de Ali Hoca Burnu, na Turquia. A foto do corpo do garoto de 3 anos se tornou em pouco tempo um símbolo do drama dos refugiados, que buscam abrigo ao fugirem das guerras que assolam sua pátria.
Junto com sua família, Aylan tentava alcançar a ilha grega de Kos em um barco superlotado, que virou. Sua mãe, Rehan, 35, e seu irmão mais velho, Galip, 5, também morreram. Apenas o pai do garoto, Abdullah, sobreviveu.
A foto tem mobilizado a internet e muitos artistas começaram a usá-la para criar obras de significado profundo sobre a questão dos refugiados e de tantas infâncias perdidas, obras que servem de homenagem ao pequeno Aylan. Aqui estão algumas delas:
O mar se tornou o local de descanso de muitas crianças refugiadas (Foto: Reprodução - Twitter)
Um barquinho de papel faz alusão à infância e à fantasia que se perderam (Foto: Reprodução - Twitter)

Ayla sendo levado por um anjo (Foto: Reprodução - Twitter)

E pensar que o menino poderia estar simplesmente dormindo em sua cama (Foto: Reprodução - Twitter)

Às vezes os animais parecem ter mais compaixão que os humanos (Foto: Reprodução - Twitter)

Seria sua mae, que também morreu na travessia, vindo buscá-lo? (Foto: Reprodução - Twitter)

Balões fúnebres foram desenhados ao lado de Aylan (Foto: Reprodução - Twitter)
Usando uma obra famosa de Bansky, esse artista fez uma bonita homenagem (Foto: Reprodução - Twitter)


Sobre fronteiras que se fecham aos refugiados (Foto: Reprodução - Twitter)


sexta-feira, 4 de setembro de 2015

SobreVivências

O Criança em Questão está participando do VI Seminário Internacional "Educação Medicalizada: desver o mundo, perturbar os sentidos"!!! 
Este foi o trabalho apresentado como expressão artística com autoria de Stéfany Bruna.
Confiram!


Sinopse: As debilidades orgânicas dão cena a um corpo frágil e limitado, confrontando a existência humana com a luta pela sobrevivência. E no caso de uma criança com limitações biológicas? Seria possível se desenvolver e vivenciar a infância? Ou sua existência estaria reduzida a sua sobrevivência? Através do vídeo ressalta-se o contraste entre as limitações biológicas e as possibilidades culturais, assim, coloca-se em questão os processos de mediação. O desenvolvimento da criança através das tramas de suas relações sociais e do processo de mediação fundamenta-se em sua base orgânica, mas não se limita a ela. A cultura e o potencial de criação humana possibilitam amplos recursos para que a criança sobreviva mas, sobretudo, viva! Ser criança, ainda com suas fragilidades orgânicas, não é apenas uma questão de sobrevivência, mas sim sobre as possibilidades culturais que a criança pode experienciar. Afinal, navegar é preciso... ainda que o barquinho seja de papel!

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Família e escola: uma relação necessária

Essa semana fui convidada por um jornal para falar sobre a relação da família com a escola, e o papel de cada um na educação de uma criança. Retomei algumas pesquisas sobre o tema e a algumas falas recorrentes que tenho escutado nas escolas.
Por um lado, estão os professores e equipe diretiva se queixando: “Não sou educadora e sim professora”; “Se nem a família consegue educar essa criança, eu vou conseguir? ; “Esse menino tem jeito não.”; “A família quer entregar o papel da educação à escola e não querem saber de nada que acontece aqui.”; “Chamamos para reunião, mas as famílias que  mais precisam não aparecem”. “Muitas crianças chegam aqui pensando ser o centro do universo, não respeitam ninguém”.
Por outro lado estão as famílias se queixando: “Não tenho tempo para nada.”;, “Chego do trabalho cansada e não consigo ensinar tarefas nem brincar com o meu filho.”; “ A escola precisa cobrar menos e nos ajudar mais.”; “ Não consigo contribuir o tanto que a escola me pede.”; “A escola não aceita meu filho e nem minha família como ela é.”.

Afinal, quem está certo? Podemos pensar essa questão considerando somente um desses lados?
Nos dias de hoje, a relação entre a escola e a família é uma das mais instigantes questões, tanto no âmbito das pesquisas como dentro das mais variadas unidades escolares de ensino em quase todo o mundo. Seja devido às mudanças pelas quais têm passado a família nas últimas décadas, seja em face das mudanças constantes e, às vezes, radicais observadas na escola, bem como da consequente discussão (e incerteza) acerca do lugar dessas instituições na formação das novas gerações. Ambos os lados precisam sair do “jogo de empura” que gera uma série de equívocos e mitos sobre o relacionamento entre a família e a escola, prejudicando o aluno, que deveria ser a prioridade de todos.

Afinal de contas, de uma forma mais onipresente, mais discreta, mais intensa, mais agradável ou mais ameaçadora a escola faz parte do cotidiano da família e vice-versa. Ambas tem papéis diferentes, porém complementares.

A educação, enquanto processo de formação de uma pessoa, conta com várias instâncias formativas, em que inquestionavelmente se destaca a família, como o primeiro elemento social de uma criança. Posteriormente a escola, igreja, amigos, mídia e outras tantas mais em que existam estruturas sociais e transferências de saber. Assim, a educação não se reduz ao ensino e não é um fenômeno restrito ao espaço escolar, ela tem como especificidade a seleção e transmissão de diferentes saberes, específicos desse espaço socializador. De fato não tem como entregar a função da educação toda para a escola, visto que é um dos lugares que a educação acontece e não é o único. Porém, de acordo com Saviani (2002), o professor é sim um educador e a escola  é o local que prepara a criança enquanto cidadã para a vida e deve transmitir valores éticos e morais aos estudantes e para que cumpra com seu papel deve acolher os alunos, suas diferenças,  com empenho para verdadeiramente transformar suas vidas.
De acordo com a legislação brasileira (Lei 9394/96, art. 2º) a educação é dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tendo por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A responsabilidade pela formação da criança em sua integralidade é de todos envolvidos nesse processo educativo, ou seja, da família, da comunidade, do estado e das escolas. Não tendo outra saída que não seja, um maior diálogo entre elas, para que se possa garantir o pleno desenvolvimento do indivíduo.

Esse diálogo só pode ser efetivado dentro da especificidade de cada instituição e das relações com a comunidade e com cada família. Em alguns casos, esses se organizam espontaneamente e procuram a direção e os professores para serem mais participativos na escola, mas nem sempre essa é a regra. Na maioria das instituições, cabe a ela essa mobilização de uma forma mais estruturada para criar espaços em que a aproximação família-escola seja possível.

Ao ponderar uma necessidade de dialogo com a família, a escola precisará estar disposta a  escutar, conhecer e acolher a criança na sua singularidade. O objetivo dessa aproximação não pode ser somente para “informar”, nem para punir ou criticar um modelo de criança ou de família, tentando enquadra-la em um certo padrão de normalidade. E sim para coletivizar conhecimentos, se escutarem  e repensarem suas funções enquanto educadores.

Quando a família se sente acolhida (mesmo com toda sua especificidade, diversidade,  erros e acertos), ela passa a ter um sentimento de pertence à escola e compartilha essa segurança com a criança. Cabe à escola apresentar um tratamento similar a todas as famílias e crianças, no sentido de garantia dos direitos, sem distinção de padrões sociais, culturais ou socioeconômicos.
Para auxiliar no processo de ação institucional no tocante às parceiras com as famílias, podemos pensar em algumas questões:
·         A diversidade das famílias, seus valores e suas opções na criação dos seus filhos são respeitadas?
·         Como as famílias podem ser parceiras com o trabalho coletivo promovido na instituição?
·         Há por parte dos profissionais, demonstração de que as famílias são bem vindas? (Goiânia, 2014).
E cabe a  família  repensar se:
·         Estou ensinando o meu filho a respeitar as regras da sociedade e em especial de sua escola?
·         Tenho dado autoridade para a escola para contribuir de fato na educação do meu filho?
·         Qual a importância do professor na sua vida?
·         Na medida do possível tenho participado das atividades da escola?
E se apesar dos esforços, a família não tiver condições ou não se mostrar disposta a participar? Infelizmente, essa é a realidade de muitas escolas. Não podemos desconsiderá-la mas ainda assim precisa se pensar em criar um espaço em que o aluno seja respeitado, tenha sua dignidade garantida e oportunidade de aprender. Caso contrário, a escola perde sua função de espaço transformador e de possibilidade ao aluno marginalizado.

Jordana de Castro Balduino

Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
GOIÂNIA. Infâncias e criança em cena: por uma política de educação infantil para o município de Goiânia. 2014.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 35. ed. rev. Campinas: Autores Associados, 2002.
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