terça-feira, 11 de setembro de 2018

SUICÍDIO INFANTIL: O mito da inocência se desfaz


O mito da inocência infantil se desfaz. A criança tirou sua própria vida. Por quê? "Elas nem entendem a morte", "estão na melhor fase da vida", "estão em um momento sagrado", "só brincam", "não possuem maturidade para compreender o mundo adulto"…

Elas chegam a um mundo já em movimento, precisam pular em um vagão a cem por hora e são brilhantes em conquistar seu lugar nesse universo. Se apropriam dele, o levam à boca para conhecer seu sabor, conversam consigo mesmas para entender o que se passa, falam, comunicam-se e dizem o que lhes vêm à cabeça. Por meio de experiências e vivências relacionais significam esse universo da sua própria forma. A criança é um sujeito ativo!

Mas e quando essa atividade implica a retirada da própria vida?

A concepção de que uma criança é incapaz de atentar intencionalmente contra a própria vida está, gradualmente, sendo desfeita, propiciando o questionamento do mito da inocência infantil e alertando pais, educadores e profissionais da saúde ao fato de que as crianças têm condições para planejar e realizar um ato como este.

Entrar em contato com o fenômeno do suicídio infantil é reconhecer a angústia do desconhecido. Informações são escassas, assim como a abertura para o diálogo, não queremos desconstruir nossas concepções construídas histórico e culturalmente. A ‘Baleia Azul’ desmoronou nossos preceitos, ‘desafios de asfixia’ nos sufocaram com o pânico. O grande mito da infância feliz e inocente, que faz da criança o símbolo da esperança, das boas expectativas para o futuro sucumbiu. Pensar neste ser como alguém sem propósito, finito e com tal finitude causada por atos voluntários é trazer à tona grandes tabus que possuímos em nossa sociedade construídos ao longo dos anos.

Por tempos nos silenciamos. Ainda não sabemos aceitar tal fenômeno. Os tabus existentes barram tanto a pessoa que emudece seu desespero, quanto aquelas que não se sentem habilitadas para lidar com tal demanda.

Idealizamos a infância e, erroneamente, a vemos como uma fase tranquila, distante de quaisquer sofrimentos ou frustrações. Esta visão de infância romantizada é construída socialmente e sustentada individualmente, direcionando nossas ações e olhares.

Precisamos desmistificar a ideia de que criança não comete suicídio ou não pensa sobre isso.

Estimativas feitas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) denunciam um significativo aumento de 60% nos últimos 40 anos nas taxas de suicídio em nível mundial. No que concerne ao suicídio infantil, este representa a quinta principal causa de mortalidade entre crianças em todo o mundo. No Brasil, 43 crianças de 0-9 anos entre 2000 e 2008 morreram por suicídio. No mesmo período, morreram 6.574 adolescentes de 10-19 anos por suicídio. Dados do Mapa da Violência, organizado pelo Ministério da Saúde, mostram que, de 2002 a 2012, o número de suicídios entre crianças e adolescentes de 10 a 14 anos aumentou 40%.

Aponta-se que uma criança que tenta ou comete suicídio está em sofrimento psíquico. Metade das crianças apresentaram algum tipo de transtorno mental. Nesse sentido, reconhece-se a intrínseca relação entre transtornos mentais e suicídio em crianças. No entanto, também é extremamente importante analisar os fatores ambientais, os contextos de desenvolvimento da criança, as relações parentais, e mesmo escolares e comunitárias. Multifacetado e complexo, precisamos considerar os aspectos sociais, econômicos, culturais e psicológicos para não reduzir o suicídio a atos isolados, encarando-o de forma demasiado simplista.

Tania Paris, presidente da Associação pela Saúde Emocional de Crianças (SP) afirma que o aumento expressivo de casos de suicídio na infância se deve a uma série de fatores, inclusive, a modernidade. “Hoje, as crianças estão sobrecarregadas de atividades e informação. São cobradas demais para serem bem-sucedidas e esperamos muito delas. Quando não correspondem às nossas expectativas e as delas, sentem-se fracassadas e deprimidas. O problema se agrava dia a dia até beirar o insuportável. O sofrimento fica tão intenso que a vida perde o sentido”, explica Tania.

Diante disso, é importante prevenir. Mas, como? Primeiro é preciso acabar com o tabu que ainda envolve o tema. As pessoas têm dificuldade em falar sobre isso e a informação não circula, não chegando a quem precisa. É necessário o acolhimento, entender o sofrimento da criança, observando seu estado emocional e tentar ajudá-la. Essas discussões incluem, ainda, considerações a respeito da necessária construção de uma rede de cuidados (família, comunidade, escola), da manutenção da estabilidade dos serviços, da ação inter e transdisciplinar, da ética do cuidado, dentre outros.

“As pessoas crescidas têm sempre necessidade de explicações... Nunca compreendem nada sozinhas e é fatigante para as crianças estarem sempre a dar explicações”  O Pequeno Príncipe - Antoine Saint-Exupery


REFERÊNCIAS
GUIMARÃES, E. A. F. As Representações Sociais de Profissionais de Urgência e Emergência Sobre o Suicídio Infantil. 2018. 117 f. Dissertação (Mestrado em Processos Psicológicos e Saúde) - Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Amazonas. Manaus: AM, 2018.
LEMOS, M. F. L.; SALLES, A. M. B. Algumas Reflexões em Torno Do Suicídio de Crianças. Revista de Psicologia da UNESP, v. 14, n. 1, p. 38-42, 2015.
MENEZES, R. Precisamos falar sobre suicídio de crianças e adolescentes. Revista Crescer. 2016.
SOUSA, G. S.; SANTOS, M. S. P.; SILVA, A. T. P.; PERRELLI, J. G. A.; SOUGEY, E. B. Revisão de Literatura Sobre Suicídio na Infância. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 9, p. 3099-3110, 2017.

Débora Andrade (Graduanda de Psicologia - UFG e Bolsista do Projeto de Extensão 'Criança em questão: repensando certezas com a família e a escola).

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