domingo, 11 de novembro de 2018

A educação infantil como lugar do brincar


É consenso afirmar que toda criança brinca. Via de regra, a atividade lúdica está presente em quase tudo que a criança faz. Quando come, quando toma banho, antes de dormir, e é quase certo que vá relutar em parar de brincar para realizar uma atividade "séria". Brinca espontaneamente, não importa como, nem o seu conteúdo. Não importa com qual brinquedo, pois o brinquedo nos remete a um produto com determinados conteúdos e a atividade em si, o brincar, tem caráter de produção, de processo.

O brincar se refere à própria composição subjetiva, e qualquer atividade significante no desenvolvimento da criança está relacionada a esse processo, indicando não só os avanços, as conquistas, os progressos em seu desenvolvimento, como os impedimentos, as dificuldades e as patologias. Se não há brincar, o sujeito se cala. 

O brincar é assim, um ato que permite a expressão do mundo interno da criança, a elaboração e o controle de suas vivências, armando uma espécie de cenário imaginário onde protagoniza de modo ativo aquilo que se vive e experiencia de modo passivo. Favorece também o estabelecimento de laços seja com o adulto, seja com outras crianças. Trata-se da construção do sujeito humano que, na relação com o Outro Cuidador, vai poder organizar sua relação consigo mesmo, com o mundo e com os objetos. 

Às vezes, se faz difícil compreender que um bebê já brinque. Evidentemente que sua capacidade criativa e sua habilidade lúdica diferem muito de crianças maiores, e é justamente por isso que aquele que se ocupa de bebês e crianças no âmbito da educação infantil deve estar atento para o percurso lúdico que o pequeno sujeito realiza. Seguimos aqui as ideias de Winnicott (1973) que destaca quatro tempos do brincar da criança:

1) O brincar com o corpo do outro cuidador;
2) O brincar no espaço de ilusão, onde o outro adulto ainda é necessário, não mais como corpo, mas enquanto olhar;
3) O brincar sozinha, mas na presença de um adulto de referência disponível;
4) O brincar com outras crianças.

Observa-se que a presença e o lugar do Outro Cuidador-educador nas brincadeiras primordiais dos bebês são fundamentais, pois permitem à criança aos poucos se voltar para os objetos do mundo externo, iniciando e complexificando seus modos de exploração através do brincar. Essas "brincadeiras constituintes" se realizam durante as atividades de cuidados dispensados à pequena criança. Ao se lambuzar de papinha, ao buscar o corpo do adulto, procurando por marcas, orifícios, enroscando no cabelo, por entre as pernas, ao jogar um objeto e esperar que o adulto o devolva, ao se fartar de prazer brincando de "escondeu-achou". Até as atividades mais ousadas como enfiar os dedos nos buracos - tomadas, vãos, frestas -, sempre atento a buscar a participação do outro adulto com seu olhar. Olhar que também precisa estar presente quando a exploração se torna produção, ou seja, quando a criança consegue empulhar peças ou alcançar um brinquedo escondido. 

Em resumo, nos berçários, a participação dos educadores nos momentos lúdicos não se resume em apenas observar a atividade dos bebês em torno dos objetos e brinquedos disponíveis. Exige uma participação ativa, significante, isto é, capaz de traduzir em palavras a ação do bebê, permitindo a este construir simbolicamente e encenar imaginariamente suas representações e versões do mundo e de si.

Ao campo da educação infantil fica vedado se posicionar num lugar distante e alheio à função do brincar e tão pouco comprometido com o desejo e o prazer. Aprender, investigar e desejar é, na verdade, o brincar transformado, garantindo que tudo possa continuar acontecendo como aprendemos - brincando. 

Referência:
MARIOTTO, R. M. M. Cuidar, educar e prevenir: as funções da creche na subjetivação de bebês. São Paulo: Escuta, 2009, p. 141-143.
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